A fase mais tranquila da vida de uma família é aquela em que todos vão para a cama ao mesmo tempo, e alguém bem que podia ter-nos advertido disso para que festejássemos enquanto era possível.
Nunca valorizamos essa fase maravilhosa, até a noite da primeira festinha em que fingimos dormir, mas não passamos de cochilos sobressaltados até que, graças a Deus, chega a hora de buscar a cria e finalmente começar o repouso, justo quando não havia mais noite para repousar.
Nessa fase, resmungamos sem suspeitar do muito pior que está a caminho: o interminável tempo em que a prole está tão “madura” que volta por conta própria, e a tortura mais dilacerante é despertar-se a cada 15 minutos para descobrir que ainda há luz embaixo da porta. E que quando ela, por fim, se apaga, o nosso quarto já parece mais claro, iluminado pela claridade boêmia do fim da madrugada.
Uma revelação pouco assumida nessa fase da vida é a descoberta, numa noitada qualquer, de que não há nenhuma razão para supormos que o zelo pelos nossos filhos seja original, e que, na verdade, não fazemos mais do que repetir a angústia que nossos pais viveram por nós, enquanto nos sentíamos independentes e donos absolutos do nosso brilhante destino. Só isso já justificaria um telefonema aos nossos velhinhos para agradecer, mesmo que eles, como nós, nunca tenham feito o que fizeram esperando retribuição.
Sempre me impressionou perceber o quanto esse sentimento de proteção não tem idade nem limite, de modo a seguirmos pela vida pensando nos nossos filhos do mesmo jeito protecionista daquela fase abençoada em que só a gente tinha a chave da porta. Talvez porque, no nosso coração, as crias nunca cresçam.
Dona Marilu foi operada havia uns 20 anos e seguiu em acompanhamento até muito depois de findo o protocolo de câncer de pulmão. Vinha com frequência simplesmente para conferir “se o bem que estou me sentindo não é falso!”. Uma fofa.
Uma tarde, ligou para dizer que estava preocupada com uma de suas filhas e pediu que tratasse de encaixá-la para consulta o mais rápido que eu pudesse. Havia aflição verdadeira naquela voz. No dia seguinte, entraram no consultório mãe e filha, ambas com cara de saúde plena. Dona Marilu resumiu: “Esta é a minha menina do meio. Ela não está nada bem. Como eu só confio no senhor, sei que ela precisa muito lhe ouvir!”.
Nunca me senti tão vulnerável ao iniciar uma consulta. Difícil lidar com o risinho debochado da “menina do meio”, que na calma madura dos seus 68 anos estava visivelmente interessada em destruir o ídolo de mamãe. Em nome da sobrevivência, a única solução que me ocorreu foi inverter a abordagem clássica:
“Por que sua mãe acha que eu posso ajudá-la, se nós dois estamos completamente convencidos que não há nada que eu possa fazer?”.
A gargalhada que se seguiu foi o jeito daquela mulher inteligente reconhecer que eu tinha superado a emergência. E tem gente que acha monótona a atividade em consultório!