Um dos períodos mais degradantes da autoestima da classe médica brasileira foi aquele primeiro semestre de 2013, quando o governo federal anunciou, com ar angelical, o programa Mais Médicos, tendo como objetivo principal (sic) levar mais profissionais para regiões onde havia escassez ou ausência de médicos.
O programa passou a integrar um conjunto de ações para o fortalecimento da política nacional de Atenção Básica, que é a porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS), presente em todos os municípios e próximo das comunidades do Brasil – porque é nesse atendimento que devem ser resolvidos 80% dos problemas de saúde.
Tudo isso foi entregue como um presente para a sociedade brasileira, ávida de boas notícias, especialmente vindas do governo, que há muito o povo aprendera a desacreditar. Quando os representantes constituídos da classe médica brasileira protestaram que quase todos os contratados eram estrangeiros, na grande maioria, cubanos, e estavam sendo incorporados ao trabalho médico sem nenhum exame de capacitação, a resposta governamental, fortemente apoiada pela parte ideologizada pela mídia, estava pronta: os cubanos foram trazidos porque os médicos brasileiros não queriam trabalhar em locais remotos. O ex-presidente Lula contribuiu com uma pérola de sensibilidade política: “Os nossos médicos só querem atender consultório na Avenida Paulista”, inconscientemente usando como referência o endereço mais próximo de onde ele próprio se tratava.
Diariamente, alguma entrevista festejava o bom atendimento prestado por esses profissionais atenciosos, que tinham sido liberados pelo Ministério da Saúde depois que os Conselhos de Medicina se negaram a oferecer carteira profissional àqueles que nem se tinha certeza que fossem médicos. Em sequência, milhares de médicos brasileiros, devidamente certificados, foram demitidos pelos prefeitos de cidades menores porque eles tinham descoberto um jeito de fazer economia, já que os Mais Médicos eram remunerados pelo governo federal, e os demitidos eram encargo dos municípios.
Não se surpreenda, caro leitor, se nunca ouviu falar disso. Acontece que, a esta altura, a mídia já tinha perdido completamente o interesse pelo assunto, assim como quando começaram a pipocar nos Conselhos de Medicina as denúncias de incompetência desse grupo de esforçados paramédicos, visivelmente instruídos a usarem as mesmas medicações fosse qual fosse a doença e a jamais solicitarem exames que exigissem saber o que fazer com os resultados.
A descoberta de que os cubanos retinham para si apenas 20% do salário pago pelo governo brasileiro e que eles estavam aqui a serviço da ditadura cubana, que lhes tomara os documentos e mantinha suas famílias na ilha, como reféns, estranhamente foi considerada uma coisa normal pelos Direitos Humanos, sempre tão atentos e sensíveis aos direitos trabalhistas.
Bastou o presidente eleito anunciar que os cubanos poderiam continuar no Brasil desde que fizessem o exame de revalidação, conservassem integralmente o salário que lhes era pago e pudessem trazer suas famílias para viverem aqui, e instalou-se o pânico.
O governo cubano determinou o retorno imediato a Cuba dos 8.602 “médicos” integrados ao Programa Mais Médicos. A tentativa de justificar a debandada como uma resposta à atitude fascista do futuro governo foi de um cinismo absoluto. Todos os envolvidos sabem que esses técnicos, que frequentaram um curso de apenas quatro anos e que são usados pelo governo cubano como uma espécie de commodities, seriam, na imensa maioria, reprovados em qualquer exame sério, e isso comprometeria a imagem do produto comercializado em vários países, como preciosa fonte de renda para Cuba. Na Venezuela, por exemplo, esse serviço envolve permuta por combustível. Curiosamente, uma parte da grande mídia internacional, desinformada ou tendenciosa, deu eco ao risco de que as populações mais pobres ficassem desassistidas. Na verdade, nove dias depois da decisão cubana, o Ministério anunciou que 25.901 médicos brasileiros já tinham se inscrito para o Programa e, em 25 de novembro, 96% das posições já estavam ocupadas.
Presume-se que os pobres cubanos partiram envoltos numa dualidade de sentimentos: metade de alegria por rever os filhos já crescidos, e metade de ansiedade por desconhecerem o próximo destino, onde seguirão cumprindo a sina de escravos sem saber se os novos senhores serão tão simpáticos quanto os brasileiros.
Ficamos devendo a eles um constrangido pedido de desculpas por termos compactuado, durante tanto tempo, com esta grande farsa. E do jeito mais cômodo. Com indiferença.