Quem já circulou pelo mundo dirá que, na China, tudo é diferente. Transformada em república socialista em 1949, cumpria à risca a recomendação da equiparação social do comunismo, em que não faz sentido alguém se queixar de qualquer coisa porque, nivelados na miséria, todos têm as mesmas queixas. Acorrentada na burocracia oligofrênica do Estado e arrastando mais de 1 bilhão de sobreviventes, a China chegou aos anos 1980 com 53% de miseráveis. E, então, alguém cansou do fogão à lenha e acendeu o gás.
Vinte anos depois, o índice de pobreza tinha baixado para 8%, e o gigante despertara, não apenas para causar admiração, mas para assumir protagonismo: maior exportador do mundo, terceiro maior importador, maior exército, segundo maior orçamento militar. Ninguém mais duvida: na próxima década, a China vai se tornar a maior economia do planeta e ninguém se dirá surpreso, porque toda a incredulidade meio debochada de 20 anos atrás foi substituída por incontida admiração.
Conheci Guangzhou, terceira maior cidade e uma linda metrópole ao sul da China, onde tudo funciona bem e, apesar do tamanho (é maior do que São Paulo), parece uma cidade de banho recém-tomado, com uma arquitetura invejável e a pujança de quem descobriu que quem trabalha muito merece viver melhor. Quando perguntei a um cirurgião chinês o quanto a dificuldade do idioma atrapalhava nas relações com o resto do mundo, ele debochou: “Isso está melhorando desde que descobrimos que, mais fácil do que dominarmos o inglês, era enriquecermos, porque, a partir daí, o mundo iria começar a estudar mandarim”. Depois, ficou sério outra vez: “Há 10 anos, meus filhos devoravam o inglês, dia e noite, para conseguirem acesso às universidades americanas. Agora, no colégio onde um dos meus netos estuda, em Michigan, o mandarim é obrigatório!”.
O certo é que a corrente migratória está se invertendo. Há 10 anos, ninguém pensaria em trazer para um simpósio na China os maiores cirurgiões do planeta. Hoje, quem não foi convidado ficou roendo as unhas. Circulando por lá, o que impressiona mais do que a exuberância da cidade é a atitude do povo. Sempre sorridente e solícito, o chinês contrasta com aquela cara indecifrável do Mao que, meio à Mona Lisa, ilustra todas as cédulas do yuan. O chinês do povo, esse quer ser simpático e fica mortificado se não consegue atender a um pedido qualquer, porque não entendeu o que era. Pedi uma informação na rua a um bando de jovens, e a minha pergunta causou um alvoroço pela falta de solução, até que um deles, com ar de absoluta superioridade, de celular em punho, pediu que eu repetisse a frase. Quando o aplicativo traduziu para o mandarim o que eu tinha dito, houve uma ovação: agora, sim, a ajuda era possível, e isso, tudo o que importava.
Num dia ensolarado, caminhando com meu amigo cirurgião, chegamos a um pequeno parque, onde um grupo de jovens recolhia as folhas que ficavam ondulando antes de pousar no gramado muito verde. Como nenhum deles tinha idade nem roupas de gari, perguntei quem eram os voluntários. “Este parque está rodeado de escolas, eu estudei ali, e cada dia da semana um dos colégios tem a responsabilidade de manter o parque limpo”. O orgulho sorridente daquela garotada prenunciava adultos do bem. Mais adiante, deitada no gramado, na sombra de uma árvore, uma menina de uns cinco anos tirara a sandália, e uma senhorinha, muito encurvada, massageava-lhe o pé direito.
De repente, no meio de tantas diferenças, eu tinha encontrado uma figura universal inconfundível: uma avó!