Por Renato Soares Gutierrez, médico pneumologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição, SUS/RS
Tenho mais de 40 anos de experiência no SUS, como médico pneumologista. Atendo atualmente três agendas semanais de consultas (perto de 36 pessoas), que provêm de unidades básicas, onde os médicos encaminham casos a especialistas, e muitos são cubanos, portanto, de nenhum ermo do país, mas da Capital ou cidades vizinhas.
Vejo, por isso, e avalio constantemente, a qualidade desses encaminhamentos, nos quais há uma mais do que visível deficiência de formação médica, em uma área que Cuba seria uma espécie de referência para as Américas, onde em geral o problema é bastante grave, a tuberculose e suas mazelas.
Pois bem, faltam-lhes noções as mais básicas, em matéria de diagnóstico, tanto que não reconhecem o pontinho calcificado que é a assinatura da infecção primária inativa (eles então copiam ipsis literis o laudo radiológico), sem reconhecer a sua inocuidade; existem frequentes erros, grosseiros, no receituário de fármacos, antibióticos e outros, nomes farmacológicos, dosagens e períodos, o que hoje se supre, mesmo nas unidades básicas, com uma visita ao Google.
Claro, os pacientes contam que esses médicos são pessoas simpáticas, que se esforçam para serem entendidos em seu portunhol, e que os satisfazem em unidades nas quais inexistiam quaisquer médicos anteriormente.
O fato de trabalharem por 30% do que o governo do Brasil paga, de não portarem seus documentos pessoais, e de não poderem trazer as famílias revela uma nítida situação de trabalho em condições precárias. Estranho, por isso, que ainda existam no Brasil pessoas ou instituições que relativizem essa ignomínia, e que deixem de considerar a ausência de avaliação técnica prévia, o que jamais ocorreria com qualquer outro profissional estrangeiro para clinicar no país.
E as lacunas deixadas? Pois bem, para um salário – que já está saindo dos cofres públicos – de quase doze mil reais, é bem pouco provável que não existam candidatos brasileiros para esses postos de trabalho, basta que se estruture uma carreira pública. Considerem-se, com essa finalidade, os salários atuais pagos pelo governo aos médicos, alguém ganha um valor inicial semelhante a esse? Por outro lado, quem grita pela assistência aos lugares ermos, gostariam de qualquer assistência, do tipo que engana para eleições, e mais nada?