A maioria dos leigos supõe que a medicina não permite espaços para o riso. Certo que não há para o riso permanente, mas como o trágico e o cômico são vizinhos de porta, todos nós com décadas de atividade médica temos muitas e boas histórias para contar. São histórias simples, que envolvem facetas variadas que constituem a essência da espécie, em que se misturam, em doses individuais e aleatórias, virtude, cinismo, bondade, gratidão, inocência, pretensão e ingenuidade, que tornam o ser humano tão sedutor como imprevisível.
Repasso três, que recebi recentemente de um colega inteligente e bem-humorado:
– Uma velhinha, acompanhada da filha, volta ao consultório da médica que a operara 10 anos antes e, ao sentar-se, diz: "Doutora Marta, como a senhora está bem, continua linda!". A doutora, lisonjeada, retoma a consulta, bem feliz. No final, quando a avozinha levantou-se para sair, tropeçou na poltrona e foi prontamente socorrida pela médica. A filha, então, justificou: "Perdão doutora, é que mamãe está com apenas 5% da visão".
– Um professor de cirurgia envelheceu conservado como poucos. Com sua farta cabeleira grisalha e um físico preservado com o prazer de jogar tênis três vezes por semana, seria usado em qualquer comercial que pretendesse ilustrar qualidade de vida na velhice. Afora a pinta de galã, ainda mantinha intacta a sua assombrosa autoestima. Caminhava pelo corredor do hospital para uma visita pré-operatória de uma senhora idosa, sua conterrânea, que não via há muitos anos. Na entrada da suíte, ficou impressionado com a beleza de uma jovem, que a paciente se apressou em apresentar-lhe como sua neta do coração. Durante as explicações referentes à cirurgia, várias vezes espichou o olho para deslumbrar-se um pouco mais com a beleza esplendorosa da juventude. Na despedida, o nosso doutor elogiou a boa condição física da paciente e assegurou que isso ajudaria muito na evolução pós-operatória. Antes de fechar a porta, a avó retribuiu: "Obrigada, doutor, eu também fiquei feliz e aliviada ao revê-lo, porque não imaginava que o senhor, na sua idade, ainda continuasse operando!".
– Um experiente anestesista, lá pelas 23h, foi chamado ao bloco cirúrgico para uma operação de urgência, de um senhor idoso, com uma facada no abdome, e sinais de sangramento peritoneal. Perguntas sobre alergias, asma, hipertensão, uso de anticoagulantes, diabetes, cirurgias prévias, alguma doença conhecida fazem parte da avaliação pré-cirúrgica obrigatória, mas, na anamnese rudimentar de porta do bloco, a principal preocupação é com o tempo de jejum. Por isso iniciou o questionário com a pergunta básica: "Seu Valdemar, o senhor jantou?". E o velhinho respondeu: "Não, doutor, não jantei, mas não se preocupe em arranjar comida para mim numa horas dessas, porque até ando meio sem fome!".
Então, vamos lá.