Que o mundo foi se tornando progressivamente um lugar perigoso pra se viver, todo o mundo já aprendeu. Daí para a prática de colocar no outro a culpa do que está errado foi um passo covarde, mas previsível. Nós temos tanta dificuldade de assumir que somos ao menos corresponsáveis pela desdita, que excluímos, desde logo, a culpa por omissão, ainda que esta seja, do ponto de vista social, a mais frequente de todas as culpas.
E, então, garantida a distância protetora da possibilidade de remorso, estávamos equipados para criticar os responsáveis, esses cretinos que destruíram a vida boa que tínhamos e que seria ainda melhor se incrementada com alguns modelos sonhados enquanto nos refestelávamos na rede da inércia.
As sucessivas desilusões produziram uma geração de desencantados que até a poucos anos se queixava da ausência de ressonância para os seus resmungos e a tristeza de queixas ressentidas não ultrapassarem o quintal da nossa insignificância. A carência, que nem imaginávamos como resolver, era a falta de instrumentos para reverberar a nossa indignação, que era enorme por ter ficado represada desde sempre.
E, então, chegaram as redes sociais com a carinha de inocentes facilitadores da comunicação e de moderna terapia para a solidão, por esta época já reconhecida como a doença da modernidade. Do seu jeito, cada um foi aprendendo a usufruir daquela maravilha de poder se expressar livremente. Ninguém tinha pensado naquilo como um ovo de serpente, o que só ficou evidente quando os mentecaptos começaram a postar o que bem entendessem.
Como não há relação interpessoal, em qualquer sociedade civilizada, sem um mínimo de respeito, todas as opiniões divergentes passaram a representar afrontas pessoais à honra e merecedoras da mais contundente retaliação.
A escalada de loucura estava só começando quando se aproximaram as eleições em um país completamente dividido por uma ideologia sórdida que anuncia a possibilidade utópica de fraternidade, mas sem inteligência pra ser original, repete os métodos grotescos que destruíram todas as sociedades que tiveram o dissabor de experimentá-las desde há exatos cem anos, sem nenhuma exceção.
A criatividade do absurdo parecia ter chegado ao limite, quando entraram em cena as fake news, esta prática abjeta de vender mentiras, e os dois lados têm se esmerado em produzir uma sequência de pérolas de desrespeito aos cérebros minimamente inteligentes, porque simplesmente apostaram que a maioria do povo é inocente, e claro, descerebrado.
Com a riqueza criativa do computador, o país tem sido inundado de imagens falsas com discursos verdadeiros e vice-versa, e ninguém é responsabilizável porque afinal parece que nos deformamos mesmo, depois de uma década e meia de mentiras deslavadas.
Pois, com esse clima de discórdia e intolerância, chegamos ao dia das eleições. Ou seja, o dia de decidirmos o quanto vale acreditar no que acreditamos.
Quando estiveres caminhando em direção à urna, acredite que indignados estamos todos, mas escolha o jeito certo de protestar. E, apesar da vontade que dá, lembre que votar em branco é apenas expressar a ideia insignificante que tens de ti mesmo. Teus filhos merecem mais do que isso.