Os tipos que investem na política sabem de seus defeitos ou suas características que serão malvistos pelo eleitorado. E, então, espontaneamente ou bem aconselhados, ensaiam posturas que despudoradamente contrariam o que se sabia deles.
Nos tempos remotos em que a memória, com a idade, se tornava cada vez menos confiável, se podia pretender que o nosso jeito desastrado pudesse ser esquecido pelos correligionários generosos. E aí chegou a internet e, com ela, todos os instrumentos de preservação das coisas que festejamos lembrar e dolorosamente daquelas que faríamos qualquer coisa para esquecer. A memória virtual eterna do que fizemos ou dissemos acabou com um dos instrumentos mais utilizados pelos politiqueiros oportunistas: o desmentido.
Se algum distraído não resistiu ao impulso de simplesmente negar com a cara mais inocente, pode contar que, no dia seguinte, alguém vai recuperar na rede aquele discurso, agressão ou chilique sempre revelador de que, na essência, não mudamos. Nos últimos tempos, a patrulha se tornou ainda mais implacável com a observação por olhos experientes de gestos e contraturas faciais capazes de flagrar a simulação lá no nascedouro. E tudo documentado com imagens ampliadas e em câmera lenta. Em resumo, nos encaminhamos para enterro da mentira, talvez com uma passagem rápida pelo corredor da morte.
Desses flagrantes delatores, servem-se os chefes de campanha na caça aos seus concorrentes e os humoristas, esses habilidosos garimpeiros das fragilidades humanas sempre mais evidentes quando se pretende fazer parecer que somos melhores do que supuseram que fôssemos.
A série de imitações dos principais candidatos à Presidência da República criada por Marcelo Adnet, disponível no YouTube, mostra todo o talento desse jovem humorista em captar os pontos mais vulneráveis de cada candidato, sempre expostos pelo contraditório. A fala mansa e surpreendentemente cordata de tipos beligerantes históricos é seguida de uma explosão de fúria e, logo, como por encanto, baixa novamente o espírito pacificador, porque, afinal, o chefe de marketing da campanha determinou que truculência gratuita não combina com a imagem de um futuro presidente.
Depois de poucas semanas de campanha, ficou evidente o esforço de vários candidatos respondendo a todas as perguntas não com o que eles pensam, mas com o que acreditam que os eleitores gostariam que eles pensassem. Como a maior distância do mundo é entre a realidade e o que se fantasia dela, todas as pessoas com os neurônicos livres da coação ideológica perceberam que, neste cenário de posturas robotizadas, todos os outros candidatos não se dão conta que estão fazendo campanha para o único concorrente que, de um jeito meio tosco, diz o que pensa, e o que pensa parece ser dele mesmo. Além disso, quando não sabe, ele não mostra constrangimento de dizer que não sabe, sem dissimulações. Neste contexto de convicções escassas, temos que admitir que a agressão física, além de primitiva, foi um exagero de generosidade marqueteira.