Passada a perplexidade de descobrir-se doente, a reação diante da nova realidade, sempre angustiante, é completamente individual. Como cada paciente tem a sua maneira própria de sofrer, é natural que cada um, do seu jeito e com suas reservas emocionais, encontre uma fórmula que o mantenha apto à sobrevivência mais digna que consiga.
Alguns, tidos como rochedos de coragem e galhardia, desmoronam contra todos os prognósticos e, sem ter noção do dano que se impõem, liberam as pontes que introduzirão os fantasmas do medo, ao que devia ser o castelo inexpugnável da resistência imunológica. Aliás, quando se defende o valor da espiritualidade no enfrentamento da doença, cientificamente não se está falando do papel terapêutico da fé, mas do efeito dela na preservação da tal resistência imunológica. Não por acaso, na depressão de qualquer origem, é comum o surgimento de infecções virais que expressam debacle imunológica. A frequência com que viroses como herpes, por exemplo, acometem indivíduos em situação de luto, perda de emprego ou traição afetiva é uma prova inequívoca disso.
Outros, com uma força invejável, assumem o comando com disciplina de gestor e, habituados à administração de crises, tomam para si a responsabilidade de gerir a própria vida como a sua empresa mais valiosa, e em nenhum momento deixam transparecer ansiedade ou temor, ainda que, humanos que são, estejam morrendo disso. Conhecendo-os melhor, descobriremos que não importa o tamanho do medo, ele será reprimido simplesmente porque ninguém tem nada com isso.
Sempre gostei muito do Cezar Busatto, ele era especial, e que grande cara! Tempos atrás, o recebi no consultório e fiquei surpreso porque, ao lhe perguntar no que poderia ajudá-lo, ele anunciou: “Há uma semana, descobri que tenho um câncer de próstata.” Antes que lhe dissesse da minha surpresa, ele completou: “Sei que esta não é a sua área oncológica e já consultei um urologista que me deixou muito tranquilo em relação ao tratamento. Marquei esta consulta porque gosto do seu jeito de ser médico e queria que me estendesse a mão, porque estou precisando muito de alguém com quem eu possa falar sobre estar doente!”.
As perguntas que se seguiram eram o reflexo de muitas noites de vigília insone e silenciosa: “O quanto é justo compartilhar a angústia com a família? Guardar uma dor em segredo é desconsiderar os amigos? Do que as pessoas precisam como suporte para enfrentar uma doença que pode ser fatal? Quanto tempo um portador de câncer que foi operado precisa para saber que se curou ou não? É possível, um dia, parar de pensar nisso e tocar a vida como antes?”.
Conversamos durante quase duas horas. De vez em quando, ele limpava e recolocava os óculos, como se precisasse ver melhor as respostas. Na saída, ele parecia mais leve e anunciou que iria proximamente convidar a mim e ao Nélio Tombini, um querido de ambos, para um jantar que devia significar o desdobramento daquela conversa.
Não tenho certeza do quanto, de fato, o ajudei, mas reconheço que aprendi muito naquela interação com uma cabeça inteligente e extremamente sensível, capaz de se abrir ao debate das necessidades essenciais do ser humano no seu limite: a luta pela sobrevivência. E com que dignidade.