Confirmadas as previsões de que, de cada três nascidos nesta década, dois chegarão aos 120 anos, precisamos discutir algumas mudanças. Se teremos tanto tempo para curtir a velhice, podemos começar negociando um alongamento da infância, porque ela não poderá ser interrompida aos 8-10 anos e representar menos de 10% do tempo vivido. Uns 25 anos já estaria bem, e, claro, com a garantia de que ninguém seria considerado abobado só porque brinca o dia inteiro, e, de barba cerrada, ainda tenha medo do escuro. Seriam consideradas apenas “coisas da idade”.
Como as pessoas deverão seguir trabalhando até, imagino, uns cem anos, não haverá necessidade de começar muito cedo, porque não faltará tempo de serviço para a aposentadoria. Sendo assim, a escolha profissional poderá ser empurrada por umas duas décadas, sem ansiedade. E, com tanto tempo para escolher a profissão, é pouco provável que erremos o caminho e tornemo-nos um armazém de ressentimentos, essa tragédia tão comum nos tempos atuais.
Além disso, se não der certo na primeira tentativa, teremos tempo para recomeçar e, quando finalmente acertarmos o que fazer com paixão, ganharemos passe livre para a conquista de crescimento, notoriedade, respeito e gratidão, esses antídotos perfeitos para intolerância, inveja, despeito e depreciação, miudezas que dão aos nossos desafetos (é certo que eles continuarão existindo) a ilusão de também estarem vivendo.
Mais tempo disponível reduzirá a pressa de chegar e a compulsão de fazer logo, e viveremos sem cobranças nem remorsos. Bem adiante, talvez sejamos confrontados com algum sentimento de culpa, ingrediente que agora só incorporamos na maturidade, quando percebemos que poderíamos ter sido melhores, mas nos consolaremos com a justificativa de que não precisava ser tão difícil.
O que certamente nos pressionará para mantermos os prazos antigos será a biologia da mulher, pelo menos se ela exigir que sua prole seja gerada por ela mesma, mas é provável que só as antiquadas insistirão com essa prática arcaica, porque, com alguns óvulos congelados, elas poderão dar a eles o destino que quiserem.
Tenho dificuldade de imaginar que, com a chegada dos filhos, vá ser muito diferente do que é atualmente. Talvez com menos ansiedade quando eles repetirem os mesmo erros que cometemos, porque haverá mais tempo para consertá-los, mas provavelmente ser pai continuará significando apenas estar ao alcance se alguma coisa der errado, e então assumir, sem reclamar, a condição de reserva técnica qualificada, cumprindo um daqueles itens escritos em letra miúda no contrato amoroso de quem se dispôs a espalhar genes pelo mundo.
Algumas coisas deverão sinalizar a chegada da velhice, protelada, mas inevitável, como, por exemplo, a comissária de voo no aeroporto: “Atenção, passageiros, daremos início ao embarque dando atendimento preferencial aos portadores de dificuldade de locomoção, aos com mais de 110 anos e àqueles que estão neste salão mas não têm certeza do destino”.
E, então, empilhados os invernos, chegará o momento da recapitulação, esse inventário da vida que será como fizemos por merecer. E, sem aviso, do nada, num dia como outro qualquer, nos descobriremos velhos, mesmo que esse diagnóstico possa ser muito subjetivo e cada um tenha lá o seu jeito de se sentir assim. Temo que o começo do fim se anunciará quando percebermos que não há mais tempo para mudar as coisas realmente importantes. O intervalo entre o dia dessa descoberta e a morte se chamará, como sempre, velhice. E não importa quantos anos tenhamos vivido. Só contará o que tenhamos por viver. E isso, para conservar o mistério, nunca saberemos.