Há uma incontrolável ânsia de usar todos os instrumentos de aproximação virtual para conectar pessoas que foram convivas em épocas tão remotas que o tempo se encarregou de borrar-lhes a lembrança.
O convite para que participasse de um grupo de WhatsApp que devia reunir todos os sobreviventes de um tempo de colégio me pareceu desde logo assustador. Não conseguia imaginar como recuperar uma intimidade necessária para justificar a reaproximação depois de, sei lá, 55 anos, só porque esta prática virou uma febre (passageira?) na internet. O desespero aumentou quando fomos comunicados de que todos os abaixo listados estavam automaticamente incluídos no grupo, e eu só lembrava bem de uns cinco de uma turma de 50.
O mal-estar se ampliou com a certeza de que aquele clique bendito, que resultaria no "saiu do grupo", e que seria a prova de que Deus existe para nos socorrer, provocaria uma reação de antipatia instantânea, seguramente enriquecida pela frase mais previsível: "Esse sempre se achou muito!".
E então, ainda meio atazanado, assisti pipocarem incríveis fotos com caras sempre sorridentes, aparentemente conservadas no formol da memória por algum colecionador de saudade, mostrando um bando de queridões que a vida dispersara, talvez com a intenção de mostrar que poderíamos sobreviver sem eles. O que, afinal, tínhamos conseguido.
A presença de fotos daquela época produziu uma sensação de nostalgia com algum desalento pelo confronto do que fomos e o que sobrou de nós, que invariavelmente foi menos do que gostaríamos. E algumas vezes tão menos que não conseguimos disfarçar o constrangimento de nem nos reconhecermos nas fotos desbotadas, por décadas de gavetas mofadas. Logo depois, um entusiasta aposentado sugeriu que a confraternização se materializasse num encontro formal, um desses em que as pessoas falam olhando no olho, e se tocam e, quando felizes, se abraçam, mas não deu certo.
Este movimento de fraternidade virtual tem sido um laboratório afetivo rico, deixando claro que temos muito a aprender com essas amizades que se anunciam eternas mas que soam surreais.
Acabaram reunidos menos de 10% dos animados debatedores do WhatsApp, e não por acaso eram apenas aqueles que nunca desconectaram e que, por razões de proximidade e afeto, se encontram regularmente, à moda antiga.
Para mim, este movimento de fraternidade virtual tem sido um laboratório afetivo extremamente rico, deixando claro que temos muito a aprender com essas amizades que se anunciam eternas mas que soam surreais, sempre que a distância geográfica impedir a dependência afetiva, que só se preserva com o selo generoso de um abraço.
Voltando à pergunta inicial: se a lembrança da amizade virtual é confortável, deixe-a quieta. Materializá-la em muito se parecerá com o esforço pouco inteligente de reativar um amor antigo, o que inexoravelmente implicará em duas mortes. A da fantasia, alimentada durante o intervalo de solidão, e a da saudade. Dois sentimentos lindos demais para serem atropelados pela aspereza da realidade.