Em 2008, fiz o vestibular na UFRGS. Entrei pelo sistema de cotas raciais e posso dizer que minha vida mudou a partir daquele momento. Antes disso, em 2007, participei de movimentos para pressionar a Reitoria a implantar o sistema de cotas.
Lembro, na época, das coisas que se ouvia dentro e fora do ambiente acadêmico: que as cotas colocariam pessoas despreparadas na universidade, que os cotistas iriam baixar o nível do desempenho acadêmico ou que profissionais cotistas não seriam contratados porque seriam profissionais inferiores.
Nenhum desses discursos se efetivou. Sou resultado dessas políticas públicas. Tornei-me professor, escritor e acadêmico. Sem as cotas eu não estaria aqui. É preciso pensar que uma prova de vestibular, do modo como ela é organizada, privilegia uma determinada classe. Uma prova objetiva não mede a qualidade de um bom estudante. O que mede a sua qualidade é a jornada dele durante a graduação.
Pesquisas mostram que o nível dos cursos não caiu, e o que os cotistas tiveram um desempenho igual ou maior aos de não cotistas. Além disso, a entrada de negros e negras não mudou apenas a cara da universidade em termos de representatividade, mas também acarretou uma mudança de saberes epistemológicos nos cursos. Discussões como decolonialidade, feminismo negro e outras pautas sociais passaram a fazer parte dos currículos de forma orgânica e concreta.
No curso de Letras, observei mudanças significativas tanto no campo da pesquisa quanto na formação de profissionais. Autores e autoras negras passaram a ser estudados, o cânone branco e eurocêntrico passou a ser questionado como única forma de ver o mundo. A pluralidade passou a ser realidade. No entanto, ainda há problemas a serem resolvidos: como, por exemplo, o abandono de cotistas que não conseguem seguir no curso por questões econômicas ou familiares. A questão, portanto, não é mais se devemos ou não ter cotas raciais, a questão agora é ampliar as vagas e criar políticas para manter esses estudantes até o final do curso.