Dias atrás participei de uma live para discutir a importância dos clássicos em nossa vida. Fiz um resgate dos livros que fizeram parte da minha formação enquanto leitor e escritor. Dentre eles, o livro Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, tem sido um dos mais importantes para mim. No entanto, quando voltei às suas páginas, recentemente, me questionei o que um personagem do século 17 teria a ver comigo.
Ler um clássico é a possibilidade de conhecer melhor o mundo e as pessoas. Os clássicos carregam em si uma determinada experiência humana, carregam a síntese do melhor e do pior de nós. Um clássico, como diria Italo Calvino, nunca termina de dizer aquilo que pretende dizer. Um clássico é uma promessa de eternidade enquanto o lemos.
O clássico apresenta uma vida que não nos pertence, mas que só se realiza dentro de nós. Reverbera por dias e nos salva por algum tempo da nossa miséria humana.
Não inventamos a literatura porque somos imaginativos, a inventamos porque somos tristes. Nascemos incompletos. Durante toda a vida haverá sempre uma parte que nos falta. O tempo é a nossa mutilação cotidiana. O tempo que se vai é violento e nos oprime. Nos passa a impressão de que vivemos sem ter vivido. Como se o melhor da vida estivesse sempre em outro lugar e não aqui. A literatura não repara, não regenera esse tempo, mas nos dá a possibilidade de presentificar os minutos. Por isso contamos e lemos histórias: para deter o tempo. O único tempo que não se esvai é o tempo da literatura. E é na apreensão das horas que vamos dando sentido às coisas.
Bem, mas o que um cavaleiro andante e maluco do século 17 tem a ver conosco? Creio que Cervantes nos ensine que, diante da precariedade humana, é preciso manter a elegância e a dignidade. Quixote nos fala muito sobre os sonhos. No entanto, o mais importante desta obra é que ela nos ensina a desconstruir nossas ilusões. Um clássico, portanto, nos faz ver a vida com mais lucidez e com mais honestidade.