Rodou o mundo a imagem do padre Julio Lancelotti quebrando a marretadas as pedras colocadas embaixo de um viaduto pela prefeitura de São Paulo. As pedras serviam para evitar que moradores de rua ocupassem o espaço. Aqui em Porto Alegre, a ONG Cozinheiros do Bem — grupo que distribui marmitas para moradores de rua — também quebrou alguns blocos de pedras localizadas embaixo do Viaduto da Conceição, na semana passada.
A chamada arquitetura hostil não se resume a paralelepípedos embaixo de pontes ou a divisões em bancos de praças para evitar que as pessoas se deitem, faz parte de uma política higienista. Uma política muito próxima da eugenia, isto é, "limpar" a cidade, tentando remover negros e pobres dos grandes centros. O objetivo é transformar bairros nobres e centrais numa imensa "Higienópolis": limpa e higiênica sem que a degradação humana agrida nossos olhos e, assim, todos possam dormir bem à noite.
O livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, entre outras questões, denuncia a remoção de pobres das áreas centrais de São Paulo para as favelas, em nome de uma modernização da cidade, na década de 1950.
Historicamente, Porto Alegre é uma cidade segregadora. Durante anos, empurrou negros e pobres para as periferias. Caso de bairros como a Restinga e Lomba do Pinheiro, onde majoritariamente os moradores são negros. Precisamos ir além da luta por espaços embaixo da ponte, precisamos tornar as cidades mais inclusivas e criar políticas públicas de acolhimento.
São louváveis as ações simbólicas contra a arquitetura hostil, ao mesmo tempo é absurda a naturalização da exclusão. Porque, vejam bem: não está se discutindo por que as pessoas estão nessa situação de vulnerabilidade, mas a permanência delas embaixo de um viaduto, que já é uma situação degradante por si só.
E o mais trágico disso é que ainda há indivíduos mais preocupados com os paralelepípedos do que com a vida dessas pessoas. A indiferença é o grande mal do século.