Cento e trinta e dois anos após a abolição da escravatura no Brasil, ainda registramos as condições análogas à escravidão.
Dados do Ministério Público do Trabalho apontam que, só entre 2019 e 2020, mais de mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Brasil. Este cenário nefasto é fruto de uma abolição precária e inconclusa, e que escancara a perversidade do discurso da meritocracia.
Como não se chocar com a história de Madalena Gordiano, que era mantida em condições análogas à escravidão por um professor branco universitário? Além disso, o professor usava a pensão de Madalena para pagar o curso de Medicina da própria filha. Como não se chocar com a história de Solange Ribeiro Correa, também mantida por quase 30 anos como escrava por uma família branca em São Paulo? Em ambos os casos eram mulheres negras. Situações que remontam à lógica escravagista entre senhores e seus escravizados.
Na semana passada, 140 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo, sete delas no Rio Grande do Sul.
Às vezes, escuto pessoas brancas dizerem que os negros veem racismo em tudo. De fato, não deixa de ser verdade. É preciso compreender que estamos numa sociedade cujo alicerce é o racismo. Portanto, infelizmente, é natural que ele se manifeste em todos os espaços sociais: no trabalho, no futebol, na política, na educação. A negação do racismo é ainda um movimento primitivo e egoísta, e que só aumenta as desigualdades.
O direito a reparação já não é mais uma questão de justiça, mas uma questão de sobrevivência de negros e negras. A naturalização de corpos negros fadados à violência e à servidão sempre esteve arraigada no imaginário brasileiro. A epistemologia da raça foi uma invenção moderna para que certos corpos racializados pudessem funcionar como força de trabalho do sistema colonial. Ainda temos uma abolição a se cumprir e ela passa por políticas públicas, pela manutenção e ampliação de cotas raciais em universidades e pela ocupação de pessoas negras em espaços de poder e de decisão.