Somos feitos daquilo que lembramos e esquecemos. Esquecemos porque precisamos seguir. O novo não acontece quando bloqueamos e deletamos informações ou pessoas de nossas redes, mas quando respeitamos o tempo da memória humana. Podemos esquecer o comezinho, a lista do súper ou o nome de um filme, no entanto, os traumas, os afetos e as perdas permanecem tatuados na memória para sempre. Esquecer não significa ser indiferente ao que se passou, mas estabelecer uma nova relação com o passado.
O assunto vem à baila com caso de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. Em 2004, o crime foi reconstituído pelo programa Linha Direta, da TV Globo. A família de Curi acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo “direito ao esquecimento”. O ministro do STF, Dias Toffoli, relator do caso, declarou que o “direito ao esquecimento” poderia restringir a liberdade de expressão e o direito da população de ser informada sobre fatos relevantes da sociedade.
A memória não pode ser censurada, por mais que ela nos doa. Esquecer não é um direito, esquecer é uma luta. Seja para esquecer a dor, um fato ou para encobrir algum passado obscuro e que nos envergonhe. Todos nós, em algum momento da vida, já quisemos esquecer algo ou alguém de forma rápida e indolor. Desejamos um tipo de pílula que pudesse fazer isso sem deixar rastros, nem ruínas do que se passou e, assim, chegarmos finalmente ao brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Lembrar é um atestado de que algo foi esquecido. Por isso, a lembrança é mais dolorosa que o esquecimento. O crítico Roland Barthes, ao analisar a obra Em Busca do Tempo Perdido, do escritor francês Marcel Proust, diz, em algum momento, que o narrador de Proust nunca lembra, porque nunca esquece. É uma frase hiperbólica, mas que dá a dimensão do projeto proustiano: uma busca por todas as sensações que a memória pode provocar. A lembrança é a conta que pagamos para dar sentido à vida. Seja ela boa ou ruim.