Nada como o Supremo Tribunal Federal no Brasil de hoje – e olhem que o STF tem concorrente que não acaba mais – para apresentar espetáculos de circo com cara de “melhores momentos” da história universal das democracias, do Estado de Direito, das “instituições” e da ciência jurídica em geral. Basta olhar as poses dos ministros, suas togas, o moço que lhes puxa a cadeira para se sentarem, o patuá que falam e apresentam como “linguagem técnica” para se ver, na hora, que nada daquilo ali pode ser sério. E não é mesmo.
Em seu último show, a “corte suprema” no Brasil se debruçou sobre a monumental questão jurídica levantada em torno de André do Rap, um condenado por tráfico de drogas que faz parte da chefia do PCC em São Paulo – sua condenação, aliás, está confirmada tanto no TRF-3 como no Superior Tribunal de Justiça. Resolveu, com grande severidade, que ele deve continuar preso – mas só que isso não serviu para absolutamente nada, pois o ministro Marco Aurélio, pouco antes, tinha tomado a precaução de mandar soltar o homem. É óbvio que ele fugiu no ato.
Para que toda essa palhaçada? Por que, aliás, o STF ainda está mexendo com um criminoso condenado em terceira instância? Já não deu para saber se ele é culpado ou não? O vírus que provocou essa última alucinação do STF foi um dispositivo pró-crime introduzido, vejam só, no “pacote anticrime” que o Congresso aprovou em dezembro de 2019 – justo no pacote “anticrime”. O chefe do PCC achou que tinha direito a ser solto, pela tramoia legal enfiada dentro da lei. Recorreu ao ministro Marco Aurélio. Foi atendido na hora, com uma rapidez que, se fosse aplicada para os cidadãos comuns, faria do STF o tribunal mais eficiente do mundo.
Depois que o leite foi devidamente derramado, e o criminoso já estava devidamente longe, o plenário do STF, bravamente, se insurgiu contra a decisão “monocrática” de Marco Aurélio e decretou que a prisão de André do Rap estava confirmada – só que não havia mais “André do Rap” para ser preso. Ao fim, todos se deram muito bem. Marco Aurélio fez o que queria. Um ex-assessor seu, sócio da advogada que entrou com o habeas corpus em favor do condenado, ficou obviamente feliz. Os outros ministros fizeram papel de justiceiros a custo zero, proibindo que se soltasse um inimigo da sociedade depois que ele tinha sido solto. André do Rap, enfim, achou ótimo isso tudo.
É o império da lei à brasileira. Serve para todo mundo – menos para a população que tem o direito de ser protegida pela Justiça.