Em nenhum momento, a Polícia Federal chegou a um ponto tão baixo, nesses dois anos em que se tornou uma delegacia particular a serviço do ministro Alexandre de Moraes e seus colegas, como na perseguição que faz contra o ex-assessor presidencial Filipe Martins. Martins ficou seis meses nos cárceres da PF em Curitiba sob a acusação de viajar para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro de 2022.
Viajar para o Exterior é crime? É, no Código Penal privado do ministro Moraes. O rapaz teria tentado se esconder da punição por crime de “golpe de Estado” que teria cometido, ou estava querendo cometer. Só que ele nunca foi para os Estados Unidos, provou materialmente que não foi e continua preso a uma tornozeleira eletrônica — agora, veja só, porque a polícia diz que o seu crime foi não ter ido para os Estados Unidos.
Quem objetivamente forjou alguma coisa aqui foi a própria PF, isso sim: inventou uma viagem que nunca existiu para prender Martins por seis meses
É um despropósito de A a Z, e uma humilhação pública para a corporação. Eles estão dizendo o seguinte: Martins é culpado de ir para a Flórida, mas está provado que não foi, e agora quem o culpou por ter ido diz que ele, de fato, não foi, mas fingiu que foi. Enfim, o rapaz foi ou não foi? Ficou seis meses preso porque a PF e Moraes diziam que foi — só por isso. Agora continua cerceado em sua liberdade (foi proibido, inclusive, de atender a uma convocação da Câmara dos Deputados) porque a mesma PF diz que não foi. Quer dizer: no Brasil do STF é crime ir e é crime não ir.
A explicação que a PF dá para o seu segundo disparate é ainda pior do que a que deu para o primeiro. Martins, agora, é acusado de “forjar” a sua não viagem aos Estados Unidos para atrapalhar a polícia. Por que alguém que quer fugir precisa fingir que fugiu, em vez de fugir direto? Pior: por que raios ele diz desde o primeiro minuto — e prova com passagem aérea, recibos do Uber e a localização de seu celular por satélite — que não foi para a Flórida, e sim para Curitiba? Se queria forjar uma viagem, por que insistiu tanto que não fez essa mesmíssima viagem?
Quem objetivamente forjou alguma coisa aqui foi a própria PF, isso sim: inventou uma viagem que nunca existiu para prender Martins por seis meses, e agora inventa uma trama em que sustenta exatamente o oposto do que sempre disse, para continuar punindo o inimigo. Não é mais possível, simplesmente, continuar sustentando que Martins fez a viagem incriminada. Mudaram, então, de crime. O crime de “ir” foi transformado em crime de “não ir”. É esta, sem retoques, a Justiça vigente no Brasil do STF e da sua polícia.