A Corregedoria-Geral da Brigada Militar indiciou por quatro crimes um PM suspeito de acobertar trabalho análogo à escravidão, na Serra. O soldado Márcio Squarcieri, 39 anos, que atua no 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (Bpat), em Bento Gonçalves, foi identificado como chefe da segurança na pousada de onde 207 safristas da colheita da uva foram resgatados, em Bento Gonçalves, em 22 de fevereiro. Alguns desses trabalhadores afirmam que, ao divulgarem um vídeo no qual reclamavam das condições de trabalho, foram submetidos a choques elétricos e golpeados com cadeiras de ferro por seguranças do alojamento onde estavam abrigados. Eles identificaram o policial como o homem que comandava as sessões de espancamento.
O soldado foi indiciado pelos crimes de tortura, ameaça, prevaricação (deixar de cumprir o dever funcional) e redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo. Os safristas, em sua maioria baianos, foram libertados em fevereiro por uma força-tarefa formada por policiais rodoviários federais, policiais federais e fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT). Eles relatam que estavam impedidos de deixar o alojamento, situado na área central de Bento Gonçalves, por dívidas contraídas antes mesmo de começarem a trabalhar na colheita. Falam que só tinham banho frio, que trabalhavam até 12 horas por dia, que nunca receberam o dinheiro combinado e que tinham de pagar por água, talheres e utensílios de higiene pessoal. Alguns afirmam que foram espancados ao reclamarem.
O indiciado, Squarcieri, ingressou na BM em 2009 e inclusive foi homenageado por serviços prestados à comunidade, em 2021. Conforme depoimento de alguns safristas, o soldado era conhecido por eles como "Scorcese" ou "Escocês". O PM é apontado no Inquérito Policial Militar como segurança privado para a pousada e para a empresa que contratou os safristas. Tanto o dono da empresa como o do alojamento são investigados pela Polícia Federal, por manter trabalho análogo à escravidão.
O policial militar foi afastado do patrulhamento nas ruas e colocado em serviço interno. Os principais indícios contra ele são depoimentos prestados por trabalhadores resgatados da condição análoga à escravidão. Em pelo menos um caso, ele foi reconhecido por fotografia como autor de suposto espancamento. Os depoimentos afirmam que ele retinha documentos dos safristas e também atuava como motorista do empresário Pedro Augusto de Santana, que contratou os trabalhadores para serviço temporário.
O IPM ouviu mais de 30 testemunhas e fez uso, também, de depoimentos coletados pelo MPT e PF. A Brigada Militar investigou outros policiais que seriam convocados por Squarcieri para reprimir os safristas da uva, quando ele achava necessário — mesmo quando estavam de serviço. Nenhum deles foi indiciado, porque não foram encontradas provas de que faziam serviço privado.
A Corregedoria da BM chegou a pedir a prisão preventiva do PM Squarcieri à 1ª Auditoria da Justiça Militar (que fica em Porto Alegre). Mas o juiz que atua no caso, Francisco José de Moura Müller, decidiu declinar da competência para apreciar o pedido. Ele considera que o possível envolvimento do soldado com trabalho análogo à escravidão é delito que deve ser analisado pela Justiça Federal.
Desde então, a PF passou também a investigar Squarcieri. Em paralelo, a BM continuou seu inquérito, porque ele teria cometido delitos militares e também para apurar sua situação funcional. O IPM decidiu que ele será submetido a Conselho de Disciplina, no qual oficiais analisam a conduta de policiais militares que possuem estabilidade no serviço. Ele corre risco de expulsão, caso seja comprovado o delito.
A PF ainda não concluiu o inquérito, no qual investiga, além do PM, dois empresários que teriam submetido os 207 safristas à condição de trabalho análogo à escravidão (entre eles, Santana). O delegado Adriano Medeiros do Amaral, responsável pelo caso, informa que estão pendentes perícias, vitais para a investigação.
Contraponto
O que diz a defesa de Márcio Squarcieri:
Em depoimento no Inquérito Policial Militar (IPM), o policial se reservou ao direito de se manter em silêncio. O defensor de Squarcieri, Maurício Custódio, está contrariado com o indiciamento. Considera o IPM um "pré-julgamento, precipitado", do PM, que inclusive tem condecorações na ficha funcional. Custódio diz que seu cliente é "inocente, uma pessoa de bem, brigadiano exemplar, que respeita as primazias da legalidade e do Regimento Disciplinar da BM. "O IPM tem um viés político, feito sob pressão, para dar satisfação à sociedade", acredita o advogado.
O que diz a defesa de Pedro Santana:
O advogado Augusto Giacomini Werner, no início da investigação da PF, disse que Santana é o maior interessado que a verdade dos fatos seja desvelada, motivo pelo qual, desde o início, colabora com as investigações realizadas pelas autoridades. Ele considera que "a desinformação da sociedade prejudica tanto as investigações, como a própria vida do Sr. Pedro Santana, empresário de carreira sólida e reputação inquestionável que, antes de exercer o seu direito de ampla defesa no decorrer do devido processo legal, já é tratado por muitos como culpado".