Uma campanha de doação que angariou recursos via internet para tratamento de uma criança está sob investigação, no Rio Grande do Sul. Os fatos começaram quatro anos atrás. Quando tinha dois anos de idade, uma menina nascida e criada em Venâncio Aires (Vale do Rio Pardo) teve diagnosticada uma forma de leucemia. Apresentava fraqueza e dificuldade de caminhar. O pai dela apelou por ajuda financeira, via vaquinhas pelas redes sociais. Deu resultado. Conseguiu arrecadar R$ 259 mil, em quatro contas diferentes de um site especializado.
Só que o tratamento da criança é custeado pelo SUS e foi feito no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, uma instituição do governo federal. Isso provocou desconfiança de internautas que contribuíram com a vaquinha. Afinal, se os procedimentos de saúde são gratuitos, por que tanto dinheiro arrecadado? Que finalidade tiveram os donativos?
As suspeitas aumentaram por que, quando questionado, o pai da menina bloqueou os números de internautas que perguntaram sobre o destino da vaquinha.
Checamos com autoridades da área de saúde e confirmamos que o tratamento da criança é gratuito. Claro que existem despesas-extras (sempre existem, em se tratando de câncer, como é a leucemia).
É exatamente isso que alega o pai da criança. Falamos com ele, que trabalha com atividades agrícolas. Alega que teve inúmeras despesas não custeadas pelo SUS. A começar pelas idas e vindas a Porto Alegre, quase diárias. Tinha de bancar estadia na Capital, alimentação. Assegura que a mulher dele teve de largar o emprego (também na área de saúde).
O pai da criança prossegue na lista de despesas: prestação da casa própria, colégio particular da filha, botas ortopédicas para ela. Questionado sobre por que adquiriu uma van, ele diz que pertence ao sogro e pega emprestado, num negócio de fast-food.
O pai da menina se diz tranquilo, mas demonstra desconforto diante de duas perguntas. Uma delas é: quanto gastou do que foi arrecadado? Ele assegura que não sabe e não parou para contar. A outra é sobre condenações criminais que teve no passado. O homem diz que já pagou o que deve à Justiça.
As queixas dos internautas sobre a falta de transparência na prestação de contas sobre o tratamento da criança chamaram a atenção do promotor Pedro Rui Porto, de Venâncio Aires. Ele instaurou um procedimento investigatório e pretende tomar depoimentos. Caso se confirme que o dinheiro não foi utilizado para fins devidos, o pai da menina corre o risco de responder por crime contra a Economia Popular, punível com seis meses a dois anos de prisão.
O colunista não revela o nome dos envolvidos porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veta a identificação de crianças envolvidas ou vitimadas por supostos crimes.