Stephen Stefani (*)
Setembro é o mês escolhido, globalmente, para alertar sobre o câncer do sangue, ou câncer hematológico. São didaticamente classificados em leucemias, linfomas e mieloma. A estimativa no Brasil é de que mais de 25 mil pessoas serão diagnosticadas com câncer hematológico por ano.
Com sintomas variados, como palidez, infecções, caroços no corpo ou sangramentos, o diagnóstico pode ser feito com exames simples como o hemograma, mas pacientes podem ter quadro e evolução totalmente diferentes entre si. Características genéticas e mutações envolvidas são alguns dos motivos pelos quais a doença teve um salto considerável nos últimos anos. Terapias são definidas pelo subtipo de doença, com combinações de medicamentos que corrigem a produção inadequada de células sanguíneas. Entre falsos começos e grandes avanços, não parece crível imaginar que teremos uma resposta simples e única que, a curto prazo, solucionará definitivamente a doença. A heterogeneidade do câncer mostra que precisamos de abordagens específicas para cada paciente e felizmente tivemos avanços.
Uma nova técnica de tratamento, que tem ocupado espaço na literatura médica no manejo de alguns tipos de linfomas e mieloma, é o CAR-T. Células são coletadas dos próprios pacientes e modificadas para combater a doença. É, ao mesmo tempo, terapia celular, gênica e imunoterapia. Representa uma mudança significativa de todas as formas de medicina existentes até agora, abrindo uma porta inédita para investigações. Com taxas de controle de doença que, conforme o cenário, podem ir até 90% de resposta duradora (muito impressionante, já que recrutam pacientes em estágios avançados), já são mais de 500 estudos clínicos em andamento para outras situações médicas. Existem, porém, várias questões significativas em relação ao controle da resposta imunológica, bem como à fabricação, transporte, rastreabilidade e soluções necessárias para atingir a escala necessária para o amplo acesso. O custo, por exemplo, é uma delas. É uma questão complexa em que economia, medicina, políticas de saúde e ética se cruzam.
Mas alguns medicamentos inovadores, com resultados relevantes, acabam achando seu caminho de acesso. O blinatumomabe é um exemplo interessante. Este medicamento induz o sistema imunológico a combater células cancerígenas, aumentando a sobrevida, cura e tem menos toxicidade do que a quimioterapia tradicional para o tratamento da leucemia linfocítica aguda (LLA) em crianças. A Conitec, comissão que avalia tecnologias em saúde no Ministério da Saúde, deliberou, por unanimidade, a incorporação no SUS, com prazo de disponibilização de 180 dias e — o que merece destaque — para tentar reduzir a falta de equidade entre os sistemas privado e público. Precisamos justamente ampliar essa consciência situacional de mudança e adaptação aos desafios, sem parar para descansar, tratando a doença e corrigindo distorções do sistema de saúde!
O compromisso em setembro envolve vários pontos, que vão desde suporte aos pacientes, programas de informação e estratégias de arrecadar fundos para assistência e pesquisa. A maior urgência, entretanto, é mergulhar em cada detalhe da jornada dos pacientes. Precisamos construir pontes nesse largo abismo entre público e privado. Não podemos sentar no argumento de que a insuficiência de recursos impede avanços. A construção de solução deve ser mais criativa e corajosa do que isso.
(*) Médico oncologista