Na última semana, técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiram parecer pela manutenção da comercialização do herbicida glifosato. No documento, apontam que o princípio ativo “não apresenta características mutagênicas, teratogênicas e carcinogênicas, não é desregulador endócrino e não é tóxico para a reprodução”. A reavaliação toxicológica do produto, usado em mais de 90% das lavouras de soja brasileiras, teve início em 2008. O processo, que deve ser concluído até o final deste ano, terá ainda etapa de consulta pública. O coordenador de Reavaliação Toxicológica do órgão, Daniel Coradi, conversou com a coluna. Veja trechos da entrevista.
Como se dá o processo de reavaliação toxicológica da Anvisa?
O primeiro passo é publicar os agrotóxicos que serão reavaliados, o que é feito por meio de resolução. Após, a Anvisa solicita às empresas que têm produtos registrados com esse ingrediente ativo a encaminharem seus estudos e todas as atualizações desde o registro até a data presente. De posse desses dados, se faz a análise. Tanto das empresas que enviaram, quanto de relatórios de agências internacionais de outros países, como a americana, a canadense e a europeia, que é uma das maiores agências reguladoras de agrotóxicos do mundo. Também faz a busca na literatura científica nas bases de dados disponíveis. Feitas essas análises, a Anvisa faz o processo decisório sobre cada um dos pontos que precisa ser analisado, sempre com foco na prevenção da saúde das pessoas, dos consumidores de alimentos e dos trabalhadores. Depois, elabora-se proposta de resolução com três opções: determinação de banimento do produto, ou adoção de medidas de mitigação, de proteção aos consumidores, sejam de alimentos ou trabalhadores, ou não toma medida nenhuma e mantém o agrotóxico como ele é comercializado.
Quantos técnicos participam do trabalho e quantos produtos passam por reavaliação? E quais foram os encaminhamentos?
Atualmente, a Anvisa conta com cinco funcionários públicos concursados, que fazem a análise desses dados. Da última resolução publicada, em 2008, foram colocados sob reavaliação, 14 agrotóxicos. Desses, a área técnica já concluiu 12. Faltam apenas dois. O glifosato foi o último concluído. Oito foram retirados do mercado, três foram feitas medidas de prevenção para reduzir a exposição a esses ingredientes, e agora o glifosato, com medida de prevenção também. Faltam dois, o tiram e a abamectina.
São técnicos extremamente qualificados e têm total liberdade para emitir seus pareceres sem nenhuma interferência, de nenhum gerente, diretor. Nenhuma empresa exerce qualquer influência.
Por que o processo de reavaliação é tão longo? Se o produto apresentasse risco à saúde, essa espera não seria prejudicial?
A reavaliação é um processo longo porque é um processo de análise técnica complexo. Consideramos todos os dados desde o registro até o momento. E o prazo que demoramos para analisar um ingrediente ativo, de um a dois anos, é o mesmo de outras agências internacionais. Não é só a Anvisa que faz a análise nesse tempo. Do glifosato não foi feito assim que a resolução foi publicada porque tínhamos conhecimento, à época, de outros produtos que apresentavam toxicidade e risco à população muito maior do que o produto. E, de fato, quando recebemos o primeiro parecer da Fiocruz – anteriormente contratávamos pareceres, agora temos capacidade técnica para elaborá-los –, dizia que os riscos eram menores do que os outros agrotóxicos da lista. Então, ele não foi priorizado naquele período. Agora, está sendo reavaliado, e a Anvisa chegou à conclusão técnica.
As empresas participam do trabalho de reavaliação da Anvisa?
Não. O que as empresas têm obrigação de fazer é mandar os estudos mais recentes para a Anvisa. Estudos em animais, in vitro, de células, que sejam úteis para que a Anvisa possa tomar decisão. Como expliquei, essa não é a única fonte. Utilizamos os relatórios das empresas, das agências reguladoras internacionais e a literatura disponível para qualquer cientista.
Não há risco de interferência das fabricantes na avaliação?
De forma alguma. São técnicos extremamente qualificados e têm total liberdade para emitir seus pareceres sem nenhuma interferência, de nenhum gerente, diretor. Nenhuma empresa exerce qualquer influência. São servidores estáveis, concursados, que o Estado investiu na sua formação. A sociedade pode ficar tranquila que esses servidores estão realizando o máximo para preservar a saúde das pessoas.