As necessidades da Europa que são oportunidades para o Brasil foram as ênfases do embaixador brasileiro na Alemanha, Roberto Jaguaribe, ao receber a comitiva da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Ele pontuou três problemas: a falta de energia com o fim do petróleo barato da Rússia, as falhas nas cadeias de fornecimento de insumos e a preocupação com as mudanças climáticas.
— Maior economia da Europa e com a maior influência política, a Alemanha está vulnerável, e o Brasil é um parceiro — disse o embaixador sobre esta relação estratégica.
Jaguaribe, porém, não quer o Brasil apenas como um provedor de energia e minerais para a Alemanha produzir e exportar. A ideia é atrair mais indústrias alemãs para instalarem-se em território brasileiro, onde terão energia e matéria-prima.
— Na agricultura, o Brasil está nadando de braçada, mas tem um dever de casa incompleto, que é agregar valor. O Brasil é um dos maiores produtores de café. Alemanha não produz e ganha mais dinheiro que o Brasil com o produto — acrescentou.
Confira entrevista exclusiva à coluna:
Se a Alemanha for levar indústrias para o Exterior, em quais segmentos o Brasil tem mais chance?
O próprio primeiro-ministro alemão (Olaf Scholz) já falou que a Alemanha está indo ao mundo todo atrás de mais fontes de energia, sobretudo renováveis, e de mais matéria-prima, mas o modelo está diferente. Ele pretende agregar valor localmente. Além da energia, tem a indústria de matéria-prima, como a química, de aço e de alumínio, nas quais vejo o Brasil tendo uma participação cada vez maior.
Se fala muito na compra de hidrogênio verde, mas é um combustível que está em desenvolvimento. O senhor acha que emplacará?
Os alemães são um dos principais propulsores do hidrogênio verde. Eles estão indo atrás do mundo todo, no deserto da Namíbia, do Atacama, no sul do Chile com os ventos da Patagônia, locais com recursos naturais em abundância para produzir energia, mas sem uso para ela. Um pouco complexo, não é evidente que o hidrogênio seja uma solução, pois, para fazê-lo, você perde uma quantidade brutal de energia. Do ponto de vista do gasto, parece que não tem muito sentido, mas se olhar o aproveitamento, é o inverso, porque o que vai se fazer com o vento da Patagônia? Nada. Mas, aí de repente você faz hidrogênio verde. É como se "do nada", estivesse se fazendo alguma coisa.
E o Brasil neste mercado?
O Brasil não tem a insolação do Atacama nem os ventos de outro lugar, tem a combinação de tudo. Inclusive, no Brasil, você consegue fazer hidrogênio 24 horas por dia, porque ele tem um suprimento constante de energia limpa, pois vem de várias fontes, inclusive da hidrelétrica. É preciso ir com calma, não tenho a menor dúvida, mas já está se fazendo hidrogênio no Brasil. Tem uma planta na Bahia para a produção de amônia para uso de fertilizantes, porque é um insumo importante para a agricultura.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, que reduziu o gás e o óleo disponíveis, fez a Alemanha retroceder na implantação da transição energética. Ela já retomou a sua matriz?
Eles reintroduziram o carvão e a energia nuclear, o que já parou, mas, na verdade, essa questão é sempre fungível. Eles não produzem mais energia nuclear aqui, mas importam energia da França, que é essencialmente nuclear. Agora, eles têm um compromisso definitivamente com uma matriz energética limpa, só que não têm condições de produzir aqui. Terão que importar, daí vem a ideia do hidrogênio verde, que surge como insumo industrial na descarbonização, inclusive do aço. No caso do Brasil, não faz sentido porque podemos fazer aço com madeira orgânica renovável. A matriz energética da Alemanha não voltou ainda, mas daqui a pouco voltará, mas eles não conseguem suprir a própria demanda. É impossível, assim como a necessidade de insumos e de gente, que eles não têm para operar as indústrias. É um processo que vai precisar de ajuste e o Brasil é um parceiro adequado, porque já tem presença forte das empresas alemãs, tem uma enorme comunidade de origem alemã e o Sul é um dos lugares que mais sabe disso. Isso cria empatias, sinergias e facilidades. Se trabalharmos bem com eles, teremos um futuro muito promissor.
Ouça a entrevista completa:
* A coluna viajou à Agritechnica a convite da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul)
Leia o que já foi publicado sobre a feira em Agritechnica.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br) Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)