
Débora Rodrigues dos Santos foi condenada a 14 anos de prisão. Não por matar, não por roubar, não por tráfico de drogas. Mas por ter pichado, com batom, a estátua da Justiça, durante os atos do 8 de Janeiro. A frase que ela escreveu — “Perdeu, mané” — nem era dela. Foi dita meses antes pelo próprio ministro Barroso, atual presidente do STF.
Débora não é inocente. Ela pichou um bem público, deteriorou patrimônio tombado. A lei prevê punição, claro: três meses a um ano de detenção, mais multa. Um crime de menor potencial ofensivo, que na prática quase sempre vira cesta básica, prestação de serviço ou assinatura num termo na delegacia. Mas não dessa vez.
Para o ministro Alexandre de Moraes, Débora não pichou. Ela subverteu a ordem. Ela se aliou a uma organização criminosa armada. Tentou abolir violentamente o Estado Democrático de Direito. Tentou dar um golpe de Estado. É como se o ministro tivesse lido Cervantes ao contrário: viu em Débora a figura do monstro e em si mesmo o cavaleiro, brandindo decisões como espadas em nome da República. Mas, no fim, só viu moinhos.
Débora não foi julgada pelo que fez. Foi julgada pelo que representou. Pela multidão com quem marchou, pela frustração que carregava, pelas cores erradas da camiseta. Foi julgada pelo que o sistema disse que ela era: uma golpista. Só que não depôs presidente, não ameaçou o STF com armas, não queimou ministério. Pichou uma estátua. A Justiça. Com batom.
O problema aqui não é fingir que Débora é vítima e inocente. É perceber que ela está sendo usada como bode expiatório. A Justiça decidiu dar um exemplo, e ela foi o alvo. Enquanto isso, casos semelhantes, dependendo da motivação política, têm desfechos bem diferentes.
E aí está a tragédia jurídica: quando o tribunal confunde ato simbólico com ataque institucional, tudo vira espetáculo. Vira revanche. Em 2017, manifestantes de esquerda invadiram e depredaram ministérios na Esplanada, colocaram fogo no prédio do Ministério da Agricultura. O número de prisões? Oito. Nenhuma pena parecida com a de Débora. Nenhuma comoção parecida. Talvez porque naquele momento os moinhos ainda estavam quietos — e Moraes, recém-indicado por Temer, não precisava travar cruzadas.
Moraes quer dar exemplo — e deu. Mas não da firmeza da Justiça. De sua distorção. De sua capacidade de pesar a mão em quem está na parte errada da fila, enquanto afaga os colarinhos brancos com acordos, selfies e esquecimento.
André Janones, deputado federal, foi flagrado em um esquema de rachadinha, ou seja, cometendo peculato — crime com pena de até 12 anos. Fez um acordo, pagou uma multa, e voltou a fazer vídeos no Instagram. Livre, leve e impune. O PCO vai às ruas defender o Hamas, exaltando atos de terrorismo, fazendo apologia à violência. Ninguém é preso. Ninguém é julgado. A régua da Justiça parece variar conforme a ideologia de quem está no banco dos réus.
Débora errou. Mas 14 anos de prisão é desproporcional. É uma pena que, em muitos casos, não se aplica nem a homicidas. É o tipo de condenação que desmoraliza o Judiciário, não o fortalece. Principalmente num país onde operações contra corrupção acabam em pizza, onde políticos condenados voltam ao poder como se nada tivesse acontecido, onde o próprio sistema parece escolher quem será punido — e quem será poupado.
Débora deveria responder pelo que fez. Pelo vandalismo. Pela ilusão. Pela tolice. Mas pagar com a ausência de uma mãe na infância dos filhos? Isso não é Justiça. É delírio de toga. E quem aplaude agora, que se cuide. Porque os ventos mudam, os ministros trocam, os moinhos viram espelhos. E um dia, pode ser o seu batom.