A história, desde Heródoto, sempre foi uma "narrativa". A história, afinal, é, por sua própria natureza, uma fabricação. Claro que História de verdade, assim com maiúscula, tem que ser feita com base em documentos e registros factuais. Mas não existe história absoluta, "olímpica", inatacável — até porque o próprio conceito de "verdade" é fugidio e inapreensível. Mas o caso é que, de uma hora para outra, grupos antagônicos que vem deixando esse país digital cada vez mais polarizado, passaram a usar a palavra "narrativa" para atacarem-se uns aos outros tentando desqualificar suas versões dos fatos e da própria história.
Mas isso não vem de hoje. Há muito tempo "narrativas" falsas tem sido forjadas de forma inescrupulosa para desferir ataques a adversários de todas cores e estirpes. Para ficar no caso específico do futebol da aldeia — numa singela homenagem a David Coimbra —, criou-se a narrativa vil de que o Grêmio, meu time de coração (e do de David também). nasceu como clube racista, elitista e xenófobo, fundado por alemães e para alemães, refratário às demais "raças" e credos, com sua própria ata de fundação redigida em alemão. Trata-se de uma falácia — e se sabe quem, quando, como e porquê passou a dissemina-la.
O Grêmio foi fundado por comerciantes de classe média, caixeiros viajantes e industriários alemães e luso-brasileiros com a participação decisiva de um paulista. A família Mostardeiro, de sangue indígena, logo se juntou aos pioneiros. Dona Laura Mostardeiro, dona da chácara que o Grêmio comprou para ter seu primeiro estádio, era de descendência baiana e organizou as primeiras festas "mistas" de Porto Alegre, convidando membros da dita "colônia africana", sua vizinha. Trata-se do Grêmio do bugre Alcindo, de Tarciso Flecha Negra, do Tanque Juarez, da estrela dourada de Everaldo. O Grêmio do gênio Lupicínio, black and blue. O Grêmio da canela preta, o Grêmio da Coligay.
Nesses tempos em que a luta contra o racismo é essencial, afirmar que a torcida do Grêmio emula a Ku Klux Klan e enverga os capuzes do ódio não é só acusação vil, mas tentativa sórdida de perpetuar uma "narrativa" inverídica e covarde. Não é mero kkk... Não creio que deveria passar batido: acho que seria legal colocar o preto no branco.
Mudando de mala para saco, pois cabe tudo no mesmo saco, um grupo de empresários de Gramado se posicionou contra a palestra de um ministro do STF na cidade. Como ex-morador de lá, sugiro que no lugar dele convidem Daniel Silveira, abram um estande para Wal do Açaí, paguem um milhão por um show sertanejo e louvem Fabrício, o Queiróz. Só não mudem o nome da avenida Borges de Medeiros, pois é coerente manter a homenagem ao homem que se elegeu governador do RS em sete eleições fraudadas. Eleições em voto de papel, é claro.