Levou um tempo até os fãs descobrirem que a suposta rivalidade – beirando a aversão – entre os Beatles e os Rolling Stones era mera articulação golpista, não passando de puro estratagema de marketing previamente combinado pelos empresários das duas bandas antes de elas dominarem o mundo. Longe dos holofotes, na intimidade dos quartos bagunçados de hotel, ou de suas futuras mansões, os meninos bonzinhos de Liverpool e os bad boys da periferia de Londres não apenas se admiraram: amavam-se uns aos outros.
Eu meio que cai nesse conto e joguei todas minhas pedras na tábula dos Stones, como convém a um rebelde raiz. Entre Apolo e Dionísio, fiquei com a desarmonia inebriante do Deus do vinho e na luta de Eros e Tanatos, deixei-me apaixonar pelo decesso e pelos excelsos excessos dos garotos que rolavam na grama e na lama, apesar de sempre ter gostado de deitar nos Strawberry Fields, sob os céus de marmelada e diamantes dos quatro cavaleiros do após-calipso.
Até porque o que interessava mesmo não era a rivalidade fake entre os Fab Four e os cinco de Torre de Londres, mas sim o confronto deles contra o inimigo comum: a caretice e o conservadorismo, o ranço retrógrado da “sociedade de castas” da Inglaterra – e, por extensão, é claro, o azedume do mundo ocidental e consumista do pós-Segunda Guerra. E assim, Beatles e Stones (bem como, é claro, um ídolo de ambos, o demiurgo Dylan) se viram na gloriosa circunstância de declarar guerra ao velho, aos coroas (e à Coroa) bem como a tudo ao que rescendia a mofo. E foi assim que percorreram e compuseram a trilha sonora do conflito de gerações.
Os Stones logo declararam que o tempo estava do lado deles – até os tempos sempre cambiantes de Dylan. The Who foi mais longe e os arautos da “sua geração” radicalizaram: “Espero morrer antes de envelhecer”. Mick Jagger replicou: “Não consigo me ver cantando Satisfaction com 60 anos. Seria patético”. Sempre a simular cordialidade, os Beatles perguntaram apenas: “Quando eu ficar mais velho, perdendo meus cabelos (...) você ainda vai precisar de mim, vai me alimentar quando eu fizer 64?” A onda chegou ao Brasil e Marcos Vale trinou: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos, não confie em ninguém com mais de 30 cruzeiros”.
Pois acreditei na época – e sigo acreditando agora – nesses e noutros e lemas que não envelheceram: só amadureceram, como os Beatles sobreviventes (renascidos no incrível documentário Get Back), como os Stones, que completaram 60 anos de carreira essa semana, como Dylan, que fez 81 na semana passada e ganhou um museu só para si. Porque fazer aniversário não significa necessariamente ficar velho, né? Fiz 64 essa semana – e ainda me sinto street fighting man, no céu com diamantes, como uma pedra que rola, forever young, a desprezar sertanejos.