A história é bem conhecida. Em novembro do ano da graça de 1966, o beatle John Lennon, ex-aluno da Faculdade de Artes de Liverpool e no auge da fama, foi convidado para ver uma exposição na Indica Gallery, em Londres. John Dunbar, marido da cantora Marianne Faithfull, era o dono do pedaço e disse para Lennon que a exposição Pinturas e Objetos Não Terminados, de uma artista japonesa de vanguarda, iria lhe agradar. Lennon levou fé na indicação e foi à galeria antes da abertura da mostra. Ao entrar, a primeira coisa que viu foi uma maçã à venda por 200 libras. “Quem a comprar, poderá vê-la apodrecer diante de seus olhos”, dizia a legenda. Ele adorou a ironia da peça e seguiu vistoriando a mostra.
No meio da sala, havia uma escada de madeira, dessas que se pode comprar em ferragens. Acima dela, um pequeno quadrado de lona preta estava suspenso no teto e dele pendia uma lupa estilo Sherlock Holmes. Lennon galgou degrau por degrau, chegou ao topo, pegou a lupa e num pedaço de papel colado na lona leu, em letras minúsculas, a palavra “Sim”. “Se ali estivesse escrito ‘Não’, ou ‘Dane-se’, eu teria ido embora na mesma hora. Mas era ‘Sim’ e eu gostei”. A seguir o beatle se aproximou de um quadro em branco na parede. Era o projeto Hammer and Nail Art (a arte do martelo e do prego), no qual a artista convidava os visitantes a “colaborarem com a criação martelando um prego nela”. Lennon cravou o seu.
John Dunbar então chamou a artista, que estava no fundo da sala ainda montando a mostra, e disse-lhe que deveria falar com John Lennon. Ela nunca tinha ouvido falar nele. Ele também nunca tinha ouvido falar em Yoko Ono. Tímida, circunspecta, toda vestida de preto, ela se aproximou e sem dizer uma só palavra, entregou-lhe um cartão que dizia: “Respire”. John Lennon cumpriu a ordem – e o resto é história. Naquele exato instante, John e Yoko estavam formando um dos casais mais lindos de todos os tempos. Ficaram juntos para sempre – até que o assassinato estúpido de Lennon os separasse.
O espetaculoso documentário Get Back, de Peter Jackson, com inacreditáveis oito horas de duração (baseado em quase 60 horas gravadas em 1971, em dois estúdios de Londres, um deles o da própria Apple), mostra a banda mais famosa de todos os tempos apodrecendo feito uma maçã e todo mundo comendo aquela torta de climão. Lançada no final de 2021, a obra encanta e atormenta quem quer que a assista. E, é claro, serviu para trazer à tona de novo a falácia de acordo com a qual Yoko Ono “acabou com os Beatles”.
Prefiro acreditar que Yoko Ono impediu os Beatles de se tornarem um pastiche deles mesmos. E hoje, no dia em que ela completa 89 gloriosos anos, é uma boa hora para chamar pelo nome dela, no meio de um sonho no meio de uma nuvem, no meio da noite: “Oh, Yoko”.