Se vivo fosse – ah, adoro essa expressão, tão frequente em jornais de outrora, e cujas insinuações nunca deixei de completar em silêncio: "Se vivo fosse... morto não estaria".
De todo modo, se vivo fosse, o libriano John Lennon teria feito 79 anos na quarta-feira passada: ele nasceu em 9 de outubro de 1940, na milenar Liverpool. Mas quem assistiu a Yesterday, filme de Dan Boyle, "viu" Lennon vivo: nessa ficção piegas, o beatle-mor leva uma existência pacata e um tanto tediosa num chalé à beira-mar, nalgum lugar da Inglaterra. "Anda dormindo cedo", diria dele o detetive durão de um romance noir.
Pena que não seja verdade. Pois imagino que na semana retrasada, se vivo fosse, o velho e bom John teria rompido o silêncio e saído de seu idílico exílio para botar a boca no trombone depois que um brasileiro, que já fritou hambúrgueres nos EUA, fez self com arminha ao lado da escultura que saúda a não violência, em frente à ONU, na cidade onde Lennon foi assassinado, e depois bostou, ops, postou numa dessas redes que andam por aí dando voz à gente tipo ele: "E se John Lennon estivesse armado?".
Não ouso imaginar o que John faria se "vivo fosse" e uma arma tivesse. Talvez a enfiasse na boca de quem proferiu a frase – só para o sujeito ficar quieto, claro; não para calá-lo de vez... Afinal, embora pacifista, Lennon era estouradinho. Mesmo assim, nunca sugeriu fechar a Suprema Corte dos EUA "com um soldado e um cabo" – até porque foi a Suprema Corte que reverteu a ordem de deportação emitida contra ele.
E sabe quem queria deportar Lennon dos EUA? O ignóbil J. Edgar Hoover, criador do FBI. E sabe no governo de quem? No do iníquo Richard Nixon. E sabe contra quem Lennon estava em campanha ao ser morto? Contra o abjeto Ronald, ator medíocre e delator que virou chefe do sindicato em Hollywood e depois, ao governar a Califórnia, proibiu o LSD – sem nunca escutar Lucy in the Sky with Diamonds. Tudo gente estilo Donald, saca?
Bom, mas se Lennon morto está – assassinado que foi por um desequilibrado armado –, sua esposa Yoko vive. Por isso, penso em retomar minha atribulada relação com Bob Dylan e pedir que ele a avise em que tipo de casamento a música dos Beatles anda sendo... executada. Bob poderia ligar para o Paul também – já que pro Ringo ninguém liga. Mesmo sendo contra a censura, vá que os Beatles decidam proibir certos tipos de escutá-los.
Mas espero que não andem armados. Pois se a felicidade é uma arma quente, a recíproca não é verdadeira, xará.