Sou do tempo em que havia estações. "Estação", você sabe, pode ser o local de onde partem e chegam ônibus e trens (na época em que trens existiam), mas me refiro, é claro, aos "períodos" ou "ciclos" do ano. Sou, portanto, do tempo em que havia "inverno" – a estação na qual fazia frio – e também "verão", quando ficava quente, mas nem sempre um calor tórrido, escaldante e muito menos "ensurdecedor" como teria dito certa feita um repórter esportivo. No verão, íamos para a praia ao acordar – cedo, é claro – e só voltávamos quando a noite já havia generosamente estendido seu manto e recoberto o sol, embora esse, naquele tempo, ainda não fosse capaz de furar a tal "camada de ozônio", de cuja existência (e o próprio nome) ninguém tinha conhecimento. Até porque "veris" em latim, sempre quis dizer "tempo bom", e o tempo estava sempre bom, até quando chovia. Já no inverno, acendíamos a lareira, comíamos pinhão, dormíamos com duas meias e, quem o tinha, metia-se num pijama de flanela (o meu era laranja com bolinhas brancas – um tanto constrangedor, mas bem quentinho). Era, afinal, o "tempus hibernus": tempo de hibernar
Entremeados entre inverno e verão havia o que minha mãe (que, aliás, me dera o dito pijama) chamava de "meia estação". Eram, talvez você lembre, o outono e a primavera. O outono costumava ser minha estação – ou, lá vá, "meia estação" – favorita. Havia crepúsculos purpúreos, árvores douradas e folhas caindo aos suspiros: "Cedo demais, cedo demais". Passei outonos azulados a contemplar o mundo em câmera lenta nos bancos amarelos do Parcão. Lá, sentei a beleza em meu colo, e, ao contrário de Rimbaud (cujo melhor livro se chama Uma estação no inferno), achei-a doce, e louvei-a.
Mas daí tive três filhas e todas nasceram na primavera – ok, a mais moça antes, mas já era quase. E "primavera" quer dizer "quase verão". Além disso, sou fã de Simoneta Vespúcio, a miss Florença 1479. Você talvez ache que não sabe quem ela era. Mas sabe, sim: é a linda beldade que serviu de modelo não só para O Nascimento de Vênus, como para Alegoria da Primavera, pintadas pelo genial Botticelli. Ambas ainda fazem as pessoas verter lágrimas.
Foi para não verter lágrimas – e para não dizer que não falei de flores – que rascunhei essa sagração da primavera, embora estejamos no longo e tenebroso inverno do aquecimento global, quando néscios e apedeutas sobem à tribuna que, na ONU, já foi de Oswaldo Aranha. Mas isso foi na primavera das nações.