Sou casado com uma mulher maravilhosa que, além de me aguentar, ainda por cima escreve bem. Após fecunda carreira na poesia, ela vem enveredando pela literatura infantil e, com dedos esguios e mente vivaz, produz lindos livros para crianças. Acontece que sou uma pessoa vil e competitiva. E, corroído pela inveja, decidi criar meu próprio conto para os miúdos.
Ei-lo:
Era uma vez, muuuuito tempo atrás, na Cidade Ex-Maravilhosa, num Reino Bozó, um bispo chamado Fivela. Talvez em função do nome esdrúxulo, Fivela queria que todos usassem cinto... de castidade. E, ainda pior, que rezassem por sua cartilha obscura (pródiga em falsas curas). O bispo Fivela não era irmão de sangue do alcaide Witch Chô, o cruel burgomestre favorável a sacrifícios humanos diretos e sem direitos. Mas os aldeões sabiam que os dois comungavam dos mesmos ideais: ambos eram contra o beijo. E assim, num feio dia, Fivela decidiu censurar até imagens que mostrassem pessoas se beijando.
Ocorre que o feitiço virou contra o feiticeiro e, na mesma hora, todos os habitantes da Cidade Marvel saíram às ruas feito Vingadores e começaram a se beijar! Enojados com aquela pouca-vergonha, o bispo Trivela (seu apelido) e o burromestre Witch Hell (seu codinome na seita Tiro e Queda) decidiram evacuar, deixando a cidade. Escapuliram numa bicicleta dupla em direção à Bianual, mas, quando circulavam na ciclovia, ela desabou, e eles caíram no lugar que mais odiavam: a Gruta da Imprensa (buraco medonho que em vez de transmitir o STB e a TV Recorte, só passava a TV da Liga da Justiça, com decisões do STF). Ali viveram infelizes para quase todo o sempre, enquanto Teen Maya, síndico da ciclovia, ria às bandeiras despregadas, com as cores do arco-íris.
Após séculos de clausura, Crivoela e Wiwi – seus novos nomes de guerra – perceberam o que tinham em comum. Então, trocaram longo, lindo, lascivo beijo proibido, conforme registra um pictograma que ainda pode ser visto lá no fundo azul da Gruta da Floresta, que atualmente é um dos maiores atrativos da Cidade Eternamente Maravilhosa, também conhecida como Cidade do Beijo Redentor.
Final feliz.
Ia assinar esse triste conto com meu próprio nome. Mas por se tratar duma história de super-heróis, optei por firmar "Morcego Azul", alter ego do Peninha – em homenagem a meu amigo Mauro Torales, o Boró, recém-falecido, que foi quem me deu o penoso apelido que carrego com a mesma leveza com a qual ele me batizou.