São tantos os fatos nojentos, abjetos, desprezíveis, repugnantes, ignóbeis, repulsivos, sórdidos, vomitativos, indecorosos e nauseabundos ao redor que, embora eu seja um notório perdulário de palavras, capaz de gastar 10 onde bastaria uma (asqueroso?), ainda assim me sinto... Bem, me sinto sem palavras. Mas após ler (ou, vá lá, “compulsar”) cerca de 2 mil livros sobre história do Brasil e ter escrito 33 (diga 33) sobre o tema, julgo estar qualificado para emitir juízos de valor sobre o país. Mas não é fácil.
Devo começar dizendo que quem quer que se debruce sobre a história do Judiciário sabe do escapulário de malfeitos e despautérios que pendem de suas ações e inações – bastando lembrar que três dos quatro primeiros ouvidores-gerais (o equivalente ao ministro da Justiça nos dias de hoje) voltaram a ferros para Portugal, acusados dos mais variados delitos.
Ainda assim, se comparado ao desgoverno federal e ao lodaçal em que chafurda o Legislativo – este, do deputado troglodita bombado que quer matar juízes do STF, do senador do dinheiro enfiado bem fundo na cueca; do deputapado que não queria comer carne de cachorro, mas arrumou boquinha para filha; da deputada que nunca foi flor de cheiro e teria mandado matar um de seus 56 filhos, depois de tê-lo feito seu marido –, só o que tenho a dizer é: viva a toga. Mas não é fácil.
Tanto é que, ao procurar aqui na estante A Coroa, a Cruz e a Espada, o livro no qual revisito os primórdios do Judiciário na colônia, e dar de cara com Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil, que fiz a convite da Anvisa, tratei de virar a página. E folheando-as, reencontrei aquele que julgo ser um dos primeiros anúncios “medicinais” publicados no país, impresso em 22 de agosto de 1825. Permito-me transcrevê-lo. É fácil:
“Tendo chegado ao conhecimento do público que certas senhoras casadas (como consta até por uns processos civis, nos quais as mesmas ditas senhoras se querem intitular por virgens sem o já poderem ser, fato aliás bem frequente nesta nossa cidade do Rio de Janeiro) se querem elas parecer ou fingirem que são virgens para certas outras pessoas, não é difícil de se capacitarem para tal cousa: basta que se lhes aplique um novo remédio, de cuja aplicação resulta um novo hímen, sendo seu preço medíocre e uso facílimo, mas que funcionará somente se as citadas senhoras já não tenham aplicado outro remédio que lhes prometa fazer o mesmo, mas que não o fará”.
Como ainda parece não haver produto que reconstitua o hímen de sociedades defloradas (que querem ou precisam se intitular vestais sem o já poderem ser), julgo que acreditar na ciência – e na toga – continua sendo o melhor remédio para nações que pareçam estar sempre a um passo de serem violentadas. Mas não é fácil.