Preconceito, o dicionário explica, é "uma opinião desfavorável que não se baseia em dados objetivos, mas em sentimento hostil pré-existente ou em generalizações apressadas". Já "conceito" também configura uma opinião, só que essa "fundamentada em conclusões, presumivelmente tomadas após reflexões feitas com base em fatos". Assim sendo, o que se segue está longe de ser um texto preconceituoso.
Dos 51 estados que constituem os Estados Unidos, conheço 49. É como se conhecesse o país inteiro, pois os dois que faltam (embora sejam os que eu mais gostaria de visitar, Havaí e Alaska) não fazem parte do "corpo" continental dos EUA. Mas o fato é que cruzei e recruzei "a América" mais vezes do que possa contar nos dedos da esquerda. Cedo aprendi a amar a Costa Oeste (Califórnia, Oregon e Washington State) e boa parte da Costa Leste (em especial Maine, Vermont, Massachusetts e, obvio, Nova York). Aprendi a mergulhar no Wild West – e a restringi-lo ao Novo México e ao Arizona. Aprendi a desprezar a Florida – com aquele monte de brasileiros. Aprendi a ignorar as duas Dakotas e as duas Carolinas. E aprendi, claro, a temer o Kansas, o Arkansas e o Alabama. E tremer no Mississippi.
Digo tudo isso não só por que vi os filmes Mississippi em Chamas, Selma, Sem Destino e Amargo Pesadelo e li os livros certos em profusão bíblica. Digo isso porque estive lá. E, em mais de uma ocasião, após ter dirigido por seis horas, parei em bares de beira de estrada para tomar um café e esticar as pernas – nos cafundós do Wyoming ou Montana; nas baixezas de Oklahoma ou Iowa – e engatei marcha à ré já na porta, dirigindo outras seis só para escapar do olhar enviesado e das ideias fora de lugar daqueles caipiras prognatas armados até os dentes com nucas vermelhas e cérebro estreito. Devo ser maricas.
Joe Biden está se revelando um conciliador. Que bom, meus para-choques! Mas meu perfil é outro: sou vingativo e vil. Por isso, após a gritante grenalização das eleições encerradas (?) nos EUA – nós, os azuis, contra eles, os vermelhos –, minha proposta é deflagrar uma nova guerra da secessão. Quer dizer, guerra não precisa: sempre preferi saliva à pólvora. Mas secessão (e um pouco de cuspe) seriam benvindos: afinal, gente capaz de votar em Dump, ops, Trump, tem mais que viver na avarenta aridez daqueles desertos ou nas vastidões sem cor e sem graça daquelas planícies. De preferência, atrás de um muro igual ao que o homem-cenoura disse que faria na fronteira com o México. E, por mim, que ganhem logo a companhia daqueles que, mesmo não sendo de lá, apoiam Trump e acham que ele não perdeu. Digo isso com todo o orgulho.
Mas sem nenhum preconceito, é claro.