Pois jamais imaginei que iria raiar o dia em que um capitão reformado e eu compartilharíamos da mesma opinião. Afeito à hierarquia e à disciplina dos quartéis, não sou de dar ouvidos a patentes inferiores a coronel – ainda mais com registro de desobediência na caserna. Mas deve ter sido a retórica irretorquível, as ideias arejadas, o proselitismo quase hipnótico, o viés renascentista, ou quiçá o entendimento formidável sobre todas as áreas do conhecimento humano. Ou talvez, sei lá, a língua presa, o cabelo para o lado, o olhar brando traindo viva inteligência: em suma, o magnetismo pessoal da criatura. O que quer que tenha sido, o fato é que passei a escutar a torrente de sábias palavras despejadas na vida pública (e na privada) pelo sobredito capitão. E acabei por encontrar um fio, um vestígio, um fragmento a nos unir: estamos ambos prontos para não aceitar o resultado das urnas eletrônicas.
Dependendo, é claro, de qual venha a ser.
Mas, tirante esse ponto em comum, temos discordâncias profundas, o reformado e eu. Ele já declarou que "através do voto você não vai mudar nada neste país". Já eu acho que o voto muda, sim – às vezes, inclusive, para pior. E olha que não está fácil piorar. Ele também tem um bordão: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Já eu acho que o Brasil anda abaixo do rabo do cachorro – e pode ir mais fundo. Quanto a deus, numa atitude conciliatória, proponho um equilibrado "lado a lado". Não vou nem comentar a frase que no meu primeiro dia na faculdade de Jornalismo vi escrita no diretório acadêmico: "Se deus existe, é problema dele". Vá que o filho do capitão pegue um soldado, um cabo e um jipe e decida fechar a Fabico. Sei lá – meu xará é esquentadinho.
Mas voltando à questão da patente (não no sentido gaúcho do termo): entre um capitão e um marechal, sou mais Deodoro, que renunciou. Só que vale lembrar do sobrinho dele, o Hermes, eleito pelos famosos "400 mil votos redondos" – e isso antes das inconfiáveis urnas eletrônicas. Foi no pleito de 1910, tido como mais disputado até então na história do Brasil: a chamada "luta da pena contra a espada". Ruy Barbosa, "a maior mentalidade da nação", era a pena. O "sargentão sem compostura", "homem de completa nulidade mental", apelidos do marechal Hermes, era a espada. Quem você acha que ganhou? Bom, foi um desastre, é claro. Mas pelo menos era um marechal. E sem registros de indisciplina na carreira!
PS – Se você discorda desta crônica, lembre-se que ainda não estamos numa ditadura e dê sua opinião, debata e se posicione aqui mesmo no jornal: tenha certeza de que em breve precisaremos deles. Só não espere minha resposta: estou indo de muda para o Uruguai, trabalhar numa clínica de interrupção da gravidez, ao lado duma plantação de erva, que não mate. E já vou avisando que lá, ambas as atividades são legais. É Uruguai acima de tudo. E Deus e os marechais no seu lugar.