Meu primeiro encontro com a irrealidade se deu na Praça Maurício Cardoso, essa mesma agora em petição de miséria, ali no Moinhos de Vento (embora, até onde eu saiba, certo hotel e certo shopping a tivessem adotado, pequena compensação pelo monstrengo arquitetônico erguido ao seu lado – mas esse é outro assunto). O dito encontro ocorreu numa tarde de outono em 1967, com as folhas caindo a suspirar "cedo demais, cedo demais". Eu estava às vésperas de completar nove anos e fui bastante contrariado ao referido logradouro: achava que praça era lugar para piá. E eu já me sentia um guri de quase 10. Acontece que, em lá chegando, houve uma transmutação: a realidade pedestre se transubstanciou em magia onírica e o tênue véu do mundo real dissolveu-se diante de mim. O murmúrio de uma fonte, o lento farfalhar da folhagem, as cintilações da água no pequeno lago, luzindo como um espelho partido, o sol filtrando-se pela copa da majestosa figueira feito raios num vitral – tudo isso contribuiu para o alumbramento, é claro.
Mas a pedra de toque foi a leoa. Sim, uma leoa estirava-se numa ilhota do lago, majestática, solene – e em ação. Ela saboreava uma ave, cujo corpo sequer se dera ao trabalho de depenar. Mas não era um ritual sangrento, muito menos satânico: tive a certeza de que o pássaro se deixava deglutir sem dor – em êxtase. Sim, também ele se transubstanciava, numa cerimônia eucarística. E a leoa ali, viva, tão longeva e ancestral quanto as tartarugas nadando ao redor da sonífera ilha.
Voltei inúmeras vezes à pracinha em busca da mesma sensação. Mas ela jamais se repetiu: era a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim, tudo era igual, mas eu ali triste por não ter mais aquela magia junto a mim. Um balanço rangia, vazio, as crianças corriam em câmera lenta, mas eu mal as via. Era como estar de castigo na gangorra – e na parte rasteira. A decepção aumentou quando a leoa virou estátua. E depois, quando me disseram que quem cuidava da praça era "seu" Camelo. Só que ele era humano, demasiadamente humano.
Precisei de 10 anos para descobrir que, com a ajuda de certas plantas de poder ou de uma invenção fortuita da indústria farmacêutica Sandoz, eu poderia acessar os prodígios daquela jornada: refazer a viagem, por assim dizer. O novo experimento rolou em outubro de 1977, quando o quarto general-presidente em sequência estava no poder. E havia três outros generais – Bandeira, Ednardo e Frota – que o julgavam liberal demais. E queriam derrubá-lo. O ar estava irrespirável e o tempo fechado – mas as portas da percepção tornaram a se abrir para mim no Morro Pelado, em Canela, apesar de todo o chumbo ao redor.
A gente vai crescendo, o tempo passa – mas sempre vou lembrar da leoa na lagoa lá da praça. Foi lá que começou meu amor pela irrealidade. E ele brotou junto com meu desprezo por sua antípoda: a dura realidade dos fatos fardados.