Já houve quem tenha chamado o Acampamento Farroupilha de Woodstock gaudério. E com todo aquele barro prenunciando a primavera, tantos toldos, tanta música e tanto poncho, sem falar na baita fumaceira, quem pode negar que a comparação faz sentido? O acampamento é ruidoso, animado e tem até se esforçado em promover a diversidade. Mas, mais do que divertido, o que ele de fato faz _ embora talvez sequer saiba _ é fomentar o diversionismo. Recorramos ao dicionário: diversionismo é "a manobra usada (...) a fim de protelar a discussão sobre um determinado ponto".
E o ponto é o seguinte: quando vai ficar claro que Porto Alegre sempre foi contra os farroupilhas? Que os rebeldes farrapos atacaram e espancaram civis desavisados, que cortaram orelhas, que realizaram casamentos forçados, que estupraram, que bombardearam a cidade, que a mantiveram sitiada, faminta, sedenta _ mas unida, muito unida _, por mais de 1.200 dias, num cerco tão inútil quanto insidioso? Quando serão recordadas as angústias, a carestia, o sofrimento atroz, o atraso e o opróbrio? E, acima de tudo, quando se erguerão monumentos aos heróis civis e militares, voluntários e paisanos, que, em 15 de julho de 1836, expulsaram os invasores que haviam tomado o burgo em 20 de setembro do ano anterior?
Historiadores como Tau Golin e o magistral Sérgio da Costa Franco, autor de Porto Alegre Sitiada, já contaram essa história e bateram nessa tecla. Também já explicaram o quanto o "mito" da Revolução Farroupilha foi forjado, adaptado e utilizado pelo Partido Republicano Rio-Grandense, que transformou a História em política, servindo-se dela para seus próprios fins, cem anos depois dos acontecimentos. Sim, sob a batuta de Vargas, Alberto Bins e Flores da Cunha, orquestrou-se a monumental celebração do Centenário Farroupilha, que ao fim e ao cabo celebrava também os bravos que haviam partido do Sul e amarrado seus cavalos no obelisco, no Rio de Janeiro, vingando Bento Gonçalves, que próximo dali estivera preso.
O engraçado é que durante essa festa de 1935, que reinventou o gaúcho e estabeleceu esse mito fundador _ tão afeito ao caudilhismo positivista de Vargas _, tremulou na Redenção a bandeira de Porto Alegre. E nela se lia _ como ainda se lê _ o dístico de Leal e Valerosa. Pois a cidade de fato não só foi "valerosa" em seu repúdio ao sectarismo delirante dos farrapos como ainda mais leal ao Império do Brasil.
Já que Porto Alegre e o Brasil (e o mundo) andam tão divididos _ e a tendência haverá de se acentuar daqui a duas semanas _, tenho uma manobra diversionista a propor: sugiro que passemos todos a discutir ferrenha e fervorosamente, de preferência com ameaças e impropérios, esse tema tão candente: Porto Alegre deve ou não festejar a Revolução Farroupilha? Talvez não seja tão divertido quanto o Woodstock de bombachas. Mas mais incongruente do que ele, e do que os tempos que virão, com certeza não será.