
Narva, Estônia — De um lado do rio, a Estônia e a União Europeia, com suas democracias, liberdade de expressão, livre mercado e apoio à Ucrânia. A 150 metros, na outra margem, separada pelo Rio Narva, está a russa Ivangorod. As duas cidades se ligam por uma ponte, ora fechada para veículos, mas na prática estão separadas pela ameaça russa de retomar as Repúblicas Bálticas, independentes da União Soviética desde 1991.
Se houver um lugar em que a Rússia testará a capacidade de resposta da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), será aqui, onde a língua franca é o russo e grande parte da população local se sente ligada por origem a Moscou. A Estônia e seus aliados sabem disso e não brincam em serviço. Para se entrar e sair da cidade, na extremidade nordeste da Estônia, para-se em barreiras do exército. Nas estradas, são corriqueiros os comboios de viaturas e blindados da Otan.
Desde a invasão da Ucrânia, Narva e arredores se transformaram em zonas militares, em tensão permanente. Na cidade, patrulhas do Exército circulam pelas ruas quase desertas. Em termos bélicos, é o ponto mais quente da União Europeia. Nos mastros às margens do rio tremulam bandeiras da Otan — algo que não se vê todo dia na Europa — e uma vistosa bandeira da Ucrânia, bem na frente dos russos.
A separação dos dois mundos, tão longe e tão perto, me remeteu ao Muro de Berlim, que conheci adolescente, em 1975, quando ainda se subia em plataformas para espiar o lado comunista. Na época, alemães ocidentais e orientais pareciam viver em universos paralelos. A queda do muro, em 1989, revelou que a política produziu diferenças, mas os estereótipos eram mais fortes do que a realidade.
Estereótipos são a mais preguiçosa forma de julgamento de sociedades, povos, religiões, profissões e assim por diante. Porque se limitam à superfície, eles impedem que se conheça de fato os indivíduos. Os EUA, por exemplo, não podem ser reduzidos ao trogloditismo de um Donald Trump. O americano médio é uma figura gentil, simpática com estrangeiros e sempre prestes a ajudar desconhecidos. Idem os russos. É muita injustiça transformar a complexa sociedade russa em apêndice criminoso de Vladimir Putin. Em geral, os russos são cultos, amantes das artes e ávidos por se relacionarem com outras culturas e sociedades. Já viajei extensivamente pelos EUA e pela Rússia. Nada é perfeito, nada é tão ruim, e as necessidades e os anseios são os mesmos em toda parte.
Nunca se deve confundir, portanto, países e sociedade com seus governos. Não gostaríamos que os estrangeiros resumissem o Brasil e os brasileiros a Lula ou Bolsonaro, porque somos muito mais do que isso. Nós sabemos disso. Seria bom que todos soubessem sobre os outros povos também.