Ele foi o sujeito que, ao partir, não sabia para onde estava indo e, quando retornou, não soube dizer onde havia estado. Ouvi essa piada no lugar certo, na hora certa: em 12 de outubro de 1992, na ilha de San Salvador, nas Bahamas, exato dia e local em que se completavam os 500 anos da chegada de Cristóvão Colombo ao que viria a se chamar América. Mas não havia nenhum taino, nenhum lucaio, nem sequer um aruaque para debochar de Colombo: poucos decênios após o desembarque do almirante em suas soberbas ilhas, esses indígenas já estavam extintos. A piada, portanto, me foi contada por negros (até porque 85% da população das Bahamas é negra). Eles foram arrancados de seu continente natal depois que os conquistadores não puderam mais usufruir da mão de obra escrava dos nativos dizimados.
Apesar de todas as tragédias e controvérsias que o descobrimento da Colômbia – opa, perdão, da América – ainda exibe passados mais de cinco séculos, aquele 12 de outubro de 1992 reluz como um dos dias mais luminosos de minha bem-afortunada existência. Fui até o Caribe fazer reportagem para Zero Hora. Sai de Frankfurt, onde cobria a Feira do Livro, voei para Miami, dali para Nassau e de Nassau num monomotor até a pequena San Salvador, onde, supostamente, Colombo aportara exatos 500 anos antes. Claro que seria eu o único e sagaz repórter a ter tido tal ideia, não é? Não, não era. A ilha estava escandalosamente abarrotada de convidados e de jornalistas (norte-americanos e espanhóis, na maioria). Não havia um só lugar para ficar nem comer. Fui parar no alojamento duma base naval dos EUA – onde dormi um sono inquieto entre avantajados marines de maus bofes.
Mas o dia 12 raiou e não contavam com minha astúcia: tendo lido o artigo da National Geographic segundo o qual o verdadeiríssimo local da descoberta é a diminuta Samana Cay, e não San Salvador, dei às costas para as celebrações oficiais, aluguei um pequeno barco a motor e, sob o comando de um personagem que parecia arrancado das páginas de Hemingway, navegamos 22 milhas náuticas até uma espécie de atol incrustado naquela piscina de turquesa translúcida que é o Caribe, e cujo perfil mal pode ser avistado a não ser quando você já está quase encalhando na malévola franja de corais que envolve a ilhota. Comemos lagosta e lentilhas à sombra dumas árvores raquíticas retorcidas pelo vento cálido, ruminando relembranças.
Voltamos para San Salvador sob um crepúsculo cor de opala a tingir mares e céus. Então, pedi para ancorar não no porto, mas no lugar onde se diz que Colombo teria primeiro pisado em terra, bem longe de onde os convivas bebiam seus coquetéis, de paletó, sob o ar condicionado. Solitário aos pés do monumento roído pelo sol e o vento, lembrei que Cristóvão quer dizer "portador de Cristo". Aí, me conformei: aquela cruz de fato era o marco ideal para sinalizar o tal descobrimento.
Ali, afinal, teria se iniciado o calvário.