E se Arthur Rimbaud (1854-1891) não tivesse sido tão assombrosamente belo – não ostentasse aqueles olhos ardentes e etéreos e os lábios cerrados feito enigma? E se Rimbaud não fosse a mais plena encarnação do enfant terrible, exibindo o prontuário de tantas e tais transgressões: fugas de casa incessantes; a disposição irrefreável de encharcar-se em absinto e haxixe, chafurdar na sarjeta, afrontar as regras e se deitar com os amantes só para ser o melhor entre os piores – o poeta maldito por excelência? E se, depois disso tudo, não tivesse Rimbaud desistido de ser Rimbaud tão pouco tempo depois de ter espetacularmente inventado Rimbaud? Se não tivesse calado a voz e partido de vez, carregando – junto às armas que traficava e ao ouro escondido nas vestes – tantas reticências, entrelaçadas na coroa de espinhos duma biografia repleta de perguntas sem respostas?
Pois ainda assim – mesmo feio, convencional e previsível –, Rimbaud seria saudado como poeta maior, desbravador na selva das palavras, demiurgo, prestidigitador capaz de fingir que era só poesia e dor a dor que deveras sentia. Mas uma coisa é certa: não ostentasse ele beleza tão selvagem e andrógina, não fosse tão indomável e – mais que isso – não tivesse dado as costas para a própria obra e partido para o exílio nas areias escaldantes do deserto, Rimbaud seria considerado… um gênio. Mas não o gênio favorito de tantos outros gênios.
Os versos de Rimbaud – a "alquimia do verbo" que ele urdiu nas fornalhas de onde extraiu versos-fagulhas e palavras em chispas – repetem o sussurro de deuses irados, cujo murmúrio o pequeno rei Arthur transmutou em uivo. Mas, se não tivesse concedido "cor às vogais" e "regulado o movimento das consoantes", malhando na brasa viva das rimas em flor, por mais estações que percorresse na estrada dos excessos, ele não teria batido às portas do palácio da sabedoria. Então, ninguém daria bola para suas delinquências juvenis.
Tendo escrito o que escreveu – e com a idade que o fez, dos 12 aos 17 anos –, Rimbaud poderia ter virado escrivão na alfândega, como Melville; amanuense, como Kafka; barnabé de província, como Machado. Ou motorista de ônibus, como seu irmão. E, ainda assim, ninguém o esqueceria. Mas o que transpassa e transtorna os admiradores e imitadores baratos de Rimbaud não é só o que ele escreveu – mas o que deixou de escrever. Não é só o que ele tão exemplarmente foi – mas o que não quis mais ser.
Sim, a decisão de abandonar tudo, largar a lira, calar a voz, aposentar a pena e partir silente e anônimo feito agente duplo para os confins das Áfricas, e lá viver entre traficantes de escravos e camelos piolhentos, é algo que não só despeja uma torrente de inquietude sobre seus leitores mas faz com que seus poemas ainda ecoem o tenebroso balbuciar de uma esfinge. Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro, há 164 anos. E passa bem, obrigado. Ao contrário do mundo ao redor.