Posso estar enganado, mas começou. Por vários motivos, o brasileiro se desconectou da Seleção Brasileira, e o principal motivo é que grande parte dos convocados não teve tempo de construir uma relação nos clubes. Eles vão para a Europa cada vez mais cedo. É o caso de Raphinha. Até nós, gaúchos, fomos conhecer a história dele em minúcias só quando Tite o convocou pela primeira vez — um jovem da Restinga que brilhou direto no Leeds United, passando ao largo de Grêmio e Inter.
A Copa do Catar está chegando, e aí nossa atenção vai aumentando aos poucos. Agora mesmo, com a convocação para os jogos contra Chile e Bolívia, pelas Eliminatórias da América do Sul. O país se deu conta de que é uma das últimas listas antes do Mundial. Abriu-se a contagem regressiva para os 23 do sonho do Hexa.
É o momento mais difícil de um técnico da Seleção. Quase um drama. É impossível não cometer injustiças. Em tese, cobra-se do treinador eleger os melhores do momento, mas não há como construir um time se esse critério for seguido à risca. Um jogador pode estar em alta e ser protagonista mas, meses depois, experimentar uma crise técnica em seu clube. Pode parecer 100% justo que ele não seja convocado da próxima vez em nome de outro que esteja em alta, ainda mais em um país como o Brasil, mas se ficar mudando muito a cada convocação, como firmar um time? É aí que se encaixam dois nomes da nova convocação de Tite antes de definir quem vai com ele ao Catar: Arthur e Richarlison.
Tite sonhou em fazer de Arthur um volante que entrasse na área, com cara de ritmista. Tinha um plano para ele. Mostrou-lhe vídeos do que pretendia e do que poderia fazer. Entusiasmou-se na conquista da Copa América de 2019. Ali Arthur já encaixou mais passes verticais, atacando o espaço vazio à frente. Mas depois caiu de rendimento a ponto de quase colocar sua carreira na Europa em risco. Agora, o ex-gremista ensaia um retorno no seu clube, a Juventus. E volta a receber chance. Tite sonha em achar um meia clássico, tanto que nunca desistiu de Philippe Coutinho. Arthur brilhou no Grêmio e recebeu elogios de Messi, ao compará-lo a Xavi, por ser um meio-campista de passe rápido e certo.
O outro nome que volta a receber chance reforça mais um fator que será decisivo na escolha dos 23 jogadores para a Copa: a experiência na Europa. Não revelarei nomes porque não tenho permissão, mas o diálogo é verídico. Um amigo assistia a um jogo do Grêmio ao lado de um craque (já convocado por Tite, inclusive) no auge do clamor nacional e gaúcho acerca de Luan.
— Merecia uma chance na Seleção, hein? — provoca esse meu amigo.
— Na Europa não tocaria na bola. A velocidade lá é outra.
Tivesse ido para a Europa, talvez Luan mudasse. Não foi. Acomodou-se. Não evoluiu. Tite estava certo ao não chamá-lo. O tempo mostrou que tinha razão. O ritmo no jogo em um continente no qual estão os melhores é um dos critérios da régua alta de uma convocação para Copa. É como se fosse um teste final. Geromel cravou seu lugar no grupo que foi à Rússia quando enfrentou Cristiano Ronaldo (e bem) na final do Mundial, contra o Real Madrid. Exibiu nível alto contra a elite. Gabigol fracassou rotundamente na Inter, de Milão. Everton Ribeiro não conseguiu fazer carreira na Europa. Pedro é jovem e ainda tem futuro, mas na Fiorentina não aconteceu.
Nesta convocação, só o goleiro Weverton (Palmeiras) e o lateral-esquerdo Arana (Atlético-MG) foram chamados de clubes brasileiros. Esse, inclusive, aparece numa posição em que a escassez de nomes, na comparação com o passado, é medonha. Nomes como Gabigol, Pedro, Everton Ribeiro ou Raphael Veiga só terão chance de ir à Copa se estiverem mais do que estraçalhando no Brasil, apesar da pressão carioca e paulista, os dois maiores centros do país. É duro dizer isso, mas o nível daqui é baixo. A prova é Hulk. No seu auge, era chamado de tosco para a Seleção. Em fim de carreira, veio da China para o Galo e de novo virou o personagem verde.
Senhores, não tem jeito. O fator Europa será decisivo para Tite eleger seus 23. É a vida. É o mundo real. E a contagem regressiva para a Copa começou.