Conheço pessoas que são tão maravilhosas, mas tão maravilhosas, que mesmo o que lhes acontece de ruim é causado por seus vastos méritos, e não por seus mínimos defeitos. Digamos que você pergunte a uma delas:
— Por que aquelas pessoas não gostam de você?
A resposta é:
— Por inveja.
Isto é: a pessoa é tão sensacional que os outros querem ser como ela e, não sendo, ficam despeitados.
É uma forma otimista de ver o mundo, sem dúvida.
E é o que acontece no reino da fantasia da política. Quando o populista é venerado, seus adoradores sempre vão encontrar uma maneira de transformar seus erros em virtudes.
Bolsonaro não é grosseiro; é sincero.
E Lula? Por que tantos rejeitam Lula? Para os petistas, a resposta é óbvia: é porque Lula fez bem aos pobres, e a elite odeia pobres.
Esse tipo de raciocínio torna impossível atender a uma necessidade que é imperiosa: a de nós, brasileiros, tentarmos entender o porquê de as coisas estarem postas como estão.
Ninguém compreendeu ainda, por exemplo, quais foram as razões das manifestações de junho de 2013. Cada extrato político tentou puxar a análise para o seu lado. Era contra o governo, então do PT? Ou era contra o capitalismo, como rugiam os Black Blocs, ao quebrarem as vitrinas das agências bancárias?
Como jornalista, cobri algumas daquelas manifestações, inclusive a maior delas, no Rio, em que centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para expressar seu mal-estar.
E foi exatamente isso que percebi, ao caminhar em meio à população protestante: as pessoas estavam ali para gritar sua infelicidade. Eram pessoas, em geral, de classe média, sem vinculação política, sem uma noção exata do que deveria ser feito para que o país mudasse, mas tendo a certeza de que algo deveria ser feito, porque o país precisava mudar.
Repare: a Lava-Jato ainda não existia, o governo Dilma ainda apresentava números razoáveis, e os brasileiros estavam profundamente insatisfeitos.
Por quê?
O que as pessoas sentiam?
Pois vou dizer o que concluí do que vi: as pessoas sentiam medo.
Não apenas medo da violência urbana, que aumentava a cada dia. Não. Sentiam medo da vida que levavam. Medo de um sistema judicial que só punia quem tinha algo a perder com o desrespeito à lei. Medo de sua propriedade ser invadida por alguém que o fazia em nome de alguma causa. Medo de sair de casa e não conseguir chegar ao trabalho, porque uma dúzia de pessoas havia bloqueado as ruas em protesto contra algo. Medo de ter sua casa pichada, de pagar imposto e, ao mesmo tempo, ter de pagar plano de saúde, de ser abordado por alguém debaixo do semáforo, de perder o emprego, de se aposentar e não ter como se sustentar.
As pessoas sentiam medo.
Tenho a impressão de que ainda sentem.
Não seria o caso de se pensar a respeito?