Quando você estabelece novos comportamentos, estabelece novas éticas. Isso das séries, por exemplo. Embora as séries em si não sejam novidade, a forma como hoje as assistimos é. Antes, as séries passavam exclusivamente em canais de TV. Você se aboletava no sofá em determinado horário da semana, assistia e pronto.
Agora, não.
Agora, é você quem decide quando e como consumirá a série, você tem o poder, e, como dizia o tio Ben, “grandes poderes, grandes responsabilidades”.
Então, é preciso ter cuidados. O principal deles: se você começou a assistir à série com alguém, firmou ali um compromisso. Digamos que vocês tenham assistido a três capítulos juntos. Certo. Isso significa que juntos terão de assistir aos demais. Ver um capítulo sozinho é grave traição. Uma pessoa que faz isso não é uma pessoa confiável.
Porque saiba de uma coisa, meu amigo: é nas pequenas ocorrências do dia que você verifica o caráter de um indivíduo. Assistiu a um capítulo da série sem que você estivesse junto? Aí está uma pessoa que engana o sócio da empresa, que assedia a mulher do melhor amigo, que repassa para terceiros o áudio do Whats que você mandou só para ela.
Eu mesmo, neste momento, estou assistindo a duas séries: “Fargo”, com o Bernardo, e “Succession”, com a Marcinha. Ambas são ótimas. Fargo conta surpreendentes, irônicas e até divertidas histórias policiais. E Succession está centrada numa riquíssima família americana, os Roy. São todos personagens desprezíveis, mas inexplicavelmente fascinantes. Digo inexplicavelmente por que, quando você não gosta de um personagem, não se interessa pela história dele. Só que, neste caso, você fica ansioso para saber o desfecho da história, porque ela é muito bem contada e os personagens têm um nível de complexidade que os torna intrigante.
Às vezes sinto vontade de adiantar um capítulo, mas me controlo. Sou um homem leal, entende? Um homem leal!
No entanto, tem o seguinte: a Marcinha sempre dorme no meio de filmes e séries. Se isso acontecer, o problema é dela. O capítulo em que ela dormiu é contado como visto. Quer dizer: não tenho obrigação de ver de novo aquele capítulo, só porque ela dormiu. Eu cumpri com a minha parte no trato; ela, se quiser, que assista sozinha ao capítulo trocado pelo sono, e depois nós seguiremos juntos nos próximos.
É preciso seguir as regras. A civilização se baseia em regras.
A flexibilidade das séries implica também em risco para a saúde física e mental. É que você pode assistir aos capítulos em sequência, o que é chamado de “maratonar”. Eu já maratonei, e foi terrível. A primeira vez, nem tanto. Eu tinha os DVDs da sensacional “Roma”, uma das melhores séries de todos os tempos, Amém. O Bernardo era recém-nascido, tinha dias de idade, e a Marcinha estava exausta. Era agosto, fazia frio e, para permitir que ela dormisse um pouco, eu cuidava dele durante algumas horas do dia. E o fazia assistindo Roma. A maior parte da série eu a vi sentado no sofá, com o Bernardo dormindo no meu braço. Aí foi legal. Mas agora, recentemente, me viciei em “Babylon Berlin”. Num sábado, quando dei por mim, havia visto seis capítulos encadeados. Ou seja: ficara quase seis horas diante da TV!
— Estou me transformando num adicto! Num zumbi! — gritei para mim mesmo. — Tenho de me libertar!
E liguei para algum amigo para tomar uns chopes cremosos e salvadores. É preciso ter prudência para ingressar no mundo maravilhoso das séries.