Quando meu filho era um pouco menor e me ouvia falar de algum personagem público, logo perguntava:
— Ele é do Bem ou do Mal?
Essa questão me deixava embaraçado, porque não conseguia respondê-la objetivamente – precisava fazer ponderações, raciocínios, digressões e, mesmo assim, não encontrava uma saída definitiva. Reconheço, porém, que a pergunta é útil: você conhece uma pessoa e pergunta a alguém com conhecimento abalizado se ela é do Bem ou do Mal. Se for do Bem, ótimo, você já está gostando daquela pessoa. Se for do Mal, você é contra aquela pessoa.
Tudo seria mais simples, se a gente pudesse estabelecer essa classificação prévia. Mas não é assim que funciona. As pessoas não são cristalinas. Há pessoas bem-intencionadas que fazem o mal. Há pessoas más que fazem caridade. Às vezes uma pessoa horrível é ótima para seus amigos. Às vezes uma pessoa é considerada maravilhosa em sua comunidade, mas, em sua família, ela é uma tirana.
Qual é o critério para enquadrar uma pessoa como “do Bem” ou “do Mal”? Pegue um exemplo robusto de alguém do Mal: Hitler. Esse ninguém questiona. Até sua aparência, seu jeito rascante de falar, seus gestos exagerados, aquele bigodinho, tudo servia para deixar claro que Hitler era demoníaco. Mas havia quem o amasse. Havia quem o venerasse e o defendesse à morte. Se não houvesse, ele não conseguiria fazer todo o mal que fez. Esses, então, falariam com carinho de Hitler e talvez assegurassem que ele era do Bem, coisa que nós sabemos que definitivamente não era.
Ou seja: em qualquer análise que se faça sobre qualquer pessoa há nuances a serem consideradas. É sempre complicado julgar o caráter de outro ser humano.
Faço esse arrazoado porque, no ano que vem, nós teremos eleições ferozes no Brasil. E digo que serão ferozes porque a discussão política, no país, se equivale a essa redução infantil de apontar que aquele candidato é do Bem, enquanto o outro é do Mal.
Bolsonaro parece do Mal. Tem um gestual de político populista antigo e faz declarações às vezes desumanas. Mas há milhões que o apoiam. Por quê? O que fez com que Bolsonaro surgisse com tamanha força na sociedade brasileira?
Você pode considerar Bolsonaro um pequeno ditador. Tudo bem. Vamos admitir que seja, como argumentação. Neste caso, o que ele representa? Porque é impossível que milhões de brasileiros sejam do Mal. Todas essas pessoas que apoiam o Bolsonaro já estavam aí. O que fez com que elas mudassem? O que elas querem? O que as incomoda? Qual é a angústia delas?
Quem é apenas contra Bolsonaro, e não tem as respostas a essas perguntas, não entendeu o que aconteceu no Brasil. Esse é o nosso risco, na eleição que virá. É preciso ter cuidado. Porque não existem respostas fáceis, quando pessoas estão envolvidas. As pessoas, já disse, não são cristalinas.