Há oito anos, em um 20 de junho, deu-se a passeata dos 300 mil no Rio de Janeiro. Eu estava lá.
A propósito, uma curiosidade: há 17 anos, em um 21 de junho, morria Leonel Brizola no Rio de Janeiro, e eu também estava lá. Na verdade, para lá fui enviado, a fim de cobrir o velório no Palácio das Laranjeiras. Foi um evento impressionante. Você via o povo do Rio fazendo fila para prestar sua última homenagem ao líder, gente dos bairros afastados, gente dos morros, gente que não se importava de esperar duas horas para ficar 10 segundos diante do caixão. Uns choravam, outros cantavam o Hino Nacional, e por todos os cantos do palácio era possível encontrar um afilhado de Brizola. Quantos afilhados será que ele tinha?
Mas isso não importa agora. Cito o Brizola só por causa da coincidência de eu estar na mesma semana de junho no Rio, cobrindo dois fatos históricos para o Brasil. O que significa essa coincidência? Nada. É apenas uma coincidência.
A passeata é que interessa, no momento. Já se passou tanto tempo, e ninguém ainda conseguiu entender o que aconteceu naquele mês de junho e em grande parte daquele ano. No começo, as esquerdas tentaram se aproveitar do movimento. Os black blocs faziam depredações, quebravam vitrines a pedradas, incendiavam containers de lixo. Alguns partidos políticos se apressaram em tomar a dianteira nos protestos, mas foram rechaçados pela massa. Nessa passeata dos 300 mil, vi os manifestantes queimando uma bandeira do PT e botando para correr todos os que se identificavam politicamente. Eles gritavam:
— Sem partido! Sem partido!
Sem partido. Esse grito me ficou impresso no cérebro. Porque ali havia uma pista forte do que queriam aquelas pessoas. Elas não aceitavam o apoio dos políticos, porque os políticos eram parte do problema. Os políticos é que construíram o Brasil que elas pretendiam mudar.
Mas o que elas queriam exatamente?
“Exatamente” elas não sabiam. Sabiam vagamente. O que elas tinham era a sensação de que as coisas estavam erradas: que as barganhas do governo por votos estavam erradas, que um assassino ser preso hoje e solto amanhã estava errado, que a carga de impostos estava errada, que a qualidade dos serviços públicos estava errada.
O Brasil estava errado.
Era a primeira vez que aquelas pessoas saíam às ruas. Até então, as mobilizações populares eram exclusividade das esquerdas, coordenadas por partidos, sindicatos ou entidades de classe. Agora, não. Agora não havia sequer lideranças com quem negociar. Sem partido. Sem partido.
As autoridades se assustaram com o movimento e tentaram dar respostas que apaziguassem os ânimos da população. As leis anticorrupção que propiciaram a Lava Jato foram as principais delas. E, por algum tempo, funcionou. A Lava Jato foi um sopro de renovação no Brasil. Mas, aos poucos, o sistema reagiu e, mais uma vez, venceu.
Uma parcela das pessoas que saíram às ruas há oito anos votou em Bolsonaro, apostando que ele seria um político antissistema. Mas Bolsonaro pertence ao sistema, alimenta-se dele, depende dele. Tanto que foi de Bolsonaro a iniciativa de acabar formalmente com a Lava Jato. Ou seja: depois de tantas mudanças, nada mudou. O Brasil continuou sendo o que sempre foi.
Faz oito anos, neste junho, que a angústia do povo explodiu nas ruas. As causas da angústia ainda estão aí. Haverá, algum dia, nova explosão?