Brizola, quando morreu, já estava morto. Pensei nisso ao escrever a última coluna, sobre o filme Legalidade, que aterrissa nesta quinta-feira nos cinemas. Como contei na crônica, cobri o velório dele, realizado no Palácio da Guanabara. O ano era 2004, ainda nos albores do governo Lula, mas todos os espaços que Brizola poderia ocupar já haviam sido preenchidos pelo PT.
Não foi por acaso que Lula viu-se coberto de vaias ao entrar no palácio para participar do velório. “Traidor! Traidor!”, gritavam os populares, fazendo com que ele se retirasse rapidamente do local.
Entendi que aquele protesto não fora motivado pelas críticas que Brizola vinha fazendo ao governo nos últimos meses. Não. As pessoas, ali, tiveram a súbita compreensão de que Lula matara Brizola politicamente. Todo o campo de atuação das esquerdas estava tomado pelo PT, e quem quisesse lavrar qualquer minúsculo hectare desse terreno tinha de se contentar com um papel subalterno, de humilde arrendatário do partido dominador.
Brizola, que por toda a vida fora protagonista, não aceitaria ficar num canto escuro do palco. Então, ele foi posto à margem da política, ninguém mais falava nele, ninguém mais o consultava, e essa foi sua morte em vida. A política era tudo para Brizola. Era sua razão de existir. Sem relevância política, ele submergiu no passado. A partir dessa condição, a morte física de Brizola era uma decorrência natural, era quase óbvia, e foi o que aconteceu.
Foi isso que mais me impressionou nessa história e é por isso que a reconto agora. É que Brizola, naqueles seus derradeiros anos, perdeu o sentido da vida.
O sentido da vida há de ser pequeno, simples e estar instalado dentro de você.
O sentido da vida.
Eis algo que tem a ver com todos nós. A vida de Brizola tinha UM sentido. Um só: a política. Alijado da política, era como se tivesse deixado de existir.
Agora pergunto: qual é o sentido da sua vida, leitor? A profissão? O amor? Um time de futebol? O sexo? A religião? Uma ideologia? A família? Uma causa?
Em geral, são essas as coisas que dão sentido à vida das pessoas, mas, repare: todas podem ser perdidas, como Brizola perdeu a política.
Nesse caso, o que lhe restaria? A extinção? Tornar-se passado no presente, como ocorreu com Brizola?
Não deve ser assim. Há algo errado aí.
O que poderá ser?
Tenho cá uma suspeita: é que o sentido da vida não pode estar do lado de fora de quem vive e nem pode ser tão grande e tão complexo como a luta por um ideal ou para salvar uma parte da humanidade. Ao contrário, há de ser pequeno, simples e estar instalado dentro de você.
Tem de ser a sua consciência lidando com o seu dia.
O seu dia está acabando e a sua consciência está em paz, pronta para usufruir um novo dia. Você está bem com você mesmo e com os outros seres humanos também. É isso. Você não vai salvar a humanidade ou parte dela, nem eu salvarei, nem homens como Brizola. Mas você pode melhorar um pouco o mundo se, ao dar sentido à sua vida, não atrapalhar a vida de ninguém.