– Tu tens de ir pro Rio agora! O Brizola morreu.
A voz urgente do outro lado da linha era da diretora de Redação, Marta Gleich. Obviamente, não foi a primeira vez que o jornal me convocou às pressas para alguma cobertura e, em todas, bateu-me uma agitação boa. Nessa hora, meus instintos de repórter se aguçam, gosto da premência do trabalho, de estar no meio do assunto mais importante daquele naco de História, de observar o que está acontecendo e, depois, contar para os leitores. Naquele dia, porém, fiquei chateado. Não por ter de fazer a matéria, e sim pelo seu tema. Eu admirava o Brizola.
Lembrei-me nesta terça-feira do telefonema da Marta Gleich ao assistir ao filme Legalidade, do jovem diretor gaúcho Zeca Brito – o filme está sendo lançado nesta semana. Brizola, a quem entrevistei dezenas de vezes e sobre quem ainda tenho muito a escrever, não foi um homem comum. O Zeca conseguiu recuperar um pouco da importância desse grande personagem da história do Brasil.
Mesmo assim, compreenda: eu admirava o Brizola, mas discordava dele em muitos pontos. O que, agora, não interessa. Interessa é que o filme relata um episódio que talvez tenha sido o último arroubo heroico do povo gaúcho.
Esqueça, por um momento, de que lado você está. Esqueça suas crenças e ideias. Pense apenas no que houve em 1961: o presidente da República renunciou e os militares decidiram que o vice não tomaria posse. Pois o Rio Grande do Sul, mobilizado por seu governador, se ergueu em protesto, enfrentou as Forças Armadas e, contra todas as expectativas, venceu: Jango foi empossado.
Verdade que isso só foi possível porque o comandante do III Exército, general Machado Lopes, aderiu à Campanha da Legalidade. Mas Machado dificilmente tomaria essa decisão se Brizola não tivesse arregimentado a população com seu vigor e sua liderança.
Foi de fato uma façanha.
Zeca Brito narra essa história gauchescamente: usa cenas filmadas na época, grava outras tantas em Porto Alegre e as embala com uma trilha sonora de compositores do Rio Grande – começa com Loucura, um clássico de Lupicínio, segue pela poderosa Guri e fecha com a épica Semeadura, de Vitor Ramil.
Agora, tem o seguinte: ele toma posição. Os “mocinhos” do filme não são apenas legalistas, são comunistas mesmo, lutando contra o império americano que planeja inclusive colocar uma bomba no avião em que Jango vai retornar para o Brasil. Há certa ingenuidade nessa narrativa, mas, de certa forma, é coerente: aqueles tempos eram realmente ingênuos, embora fossem duros.
Vale a pena ver o filme, por sua abordagem histórica, e valerá também a pena ler e ouvir os comentários que serão feitos a respeito. Pelo seguinte: nós vivemos hoje um momento muito parecido com aquele. O maniqueísmo ideológico da Guerra Fria voltou e trouxe junto todas as suas análises tipicamente simplistas, todo o seu preconceito, todos os seus julgamentos apressados. O que é um assombro: quase 60 anos se passaram e nós ainda estamos no mesmo lugar.