Será que Porto Alegre era melhor mesmo nos anos 1990 ou EU é que era melhor naquela época?
Não sei...
Sei que há cidades que melhoram. Outras pioram. O Rio provavelmente foi a mais maravilhosa cidade do mundo nos anos 1960. Tom, Vinicius, Chico, Millôr, Francis, o velho Braga, todos se encontravam na Zona Sul, bebiam no Antônio’s, admiravam a garota de Ipanema. A cidade era tão sofisticada, que gestou a Bossa Nova.
Vou dizer: a Bossa Nova é a mais notável contribuição artística do Brasil para a humanidade. Nunca nós, brasileiros, conseguimos alcançar tamanha beleza, tamanho requinte em uma forma de expressão cultural. A Bossa Nova é o Brasil como o Brasil deveria ser.
Tirar a capital do Brasil do Rio foi um erro. Brasília foi um erro. Levaram os políticos para o deserto do Planalto Central, longe de tudo, longe das pressões populares, longe da realidade.
A decadência do Rio tem a ver com essa mudança. Mas foi um processo lento. Estive no Rio em 1982, assisti à Império Serrano ganhando o Carnaval com o seu “Bumbum paticumbum prugurundum”. Sério: eu estava na avenida. Amanhecia quando a Império Serrano entrou. O que aconteceu então foi memorável. Nas arquibancadas, todos cantavam e dançavam, envolvidos pelo samba-enredo. Foi uma entrega, um abandono como eu nunca tinha visto antes. Há quem diga que foi o maior desfile de uma escola em todos os tempos, e pode ser que tenha sido mesmo. O Rio daquele tempo era só alegria e festa, era uma cidade ainda aprazível e amena, mesmo sendo cosmopolita.
Depois, tudo mudou.
Com Nova York ocorreu o contrário. Até os anos 1980, Nova York era perigosa. As pessoas tinham medo de andar pela Times Square, imagine. Mas a cidade investiu em segurança pública e, hoje, você pode ir ao Bronx, ao Hell’s Kitchen ou ao Soho sem receio algum. As taxas de criminalidade diminuem ano a ano em Nova York, de uma maneira como não ocorre em nenhuma outra grande cidade do planeta.
Já em Paris o auge foi no entreguerras, anos 1920 e 1930, quando Hemingway escreveu Paris é uma Festa. Hoje, andar de metrô, em Paris, pode ser temerário.
Porto Alegre, a grande época de Porto Alegre foi a década de 1940. A cidade ainda possuía traços europeus, as vitrines da Rua da Praia cintilavam aos olhos dos jovens que faziam o footing e a Livraria do Globo reunia alguns dos maiores intelectuais do Brasil, como Erico Verissimo, Mario Quintana, Dyonélio Machado e Josué Guimarães.
Aos poucos, Porto Alegre foi se descaracterizando. Mas nos anos 1980 e 1990 continuava sendo uma cidade pulsante, cheia de opções e, como anuncia o nome, alegre. Naquele tempo, a noite era forte. Nos fins de semana, ninguém saía de casa antes das 23h, meia-noite, e havia bares e restaurantes que funcionavam até de manhã.
A depressão aconteceu lentamente. Foi no século 21 que Porto Alegre, um dia, amanheceu sombria, dura e triste. Tudo parecia tão ruim... Mas uma cidade é um organismo vivo. Ela se move, ela se modifica.
Há alvíssaras. Tenho notado alguns sinais de melhora, principalmente na área da segurança pública. Mas o que mais me empolga são as mudanças de uma região da cidade: a orla.
As reformas feitas à beira do Guaíba estão transformando a cidade. Se houver uma recuperação do Centro como região de convivência, Porto Alegre se reerguerá. E se reerguerá graças à sua vocação esquecida de cidade banhada por um rio. Tenho fé: o Guaíba vai redimir Porto Alegre.