Vai parecer coisa de gaúcho, que pensa que é melhor em tudo, que se julga superior aos outros, mas não. Porto Alegre dá sinais concretos de que, dentro de cinco ou seis anos, a previsão abaixo pode se realizar:
– Vamos ter a orla planejada mais espetacular do país.
A frase é do professor Benamy Turkienicz, da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, reconhecido como uma das maiores autoridades em planejamento urbano do Estado. Não se trata de uma opinião isolada, pelo contrário.
– Porto Alegre está deixando de ser uma das capitais mais feias do Brasil para finalmente abraçar um atrativo paisagístico, turístico, urbanístico e econômico que pouquíssimas cidades no mundo têm – diz o arquiteto Ronaldo Rezende, um dos fundadores da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea).
Não há exagero na avaliação dos dois – e já vamos explicar por quê. Mas é natural que alguém torça o nariz. Afinal, nos últimos 30 anos, a Capital se acostumou a encarar como delírio qualquer projeto mais grandioso: nada avançava, tudo esbarrava sempre em confrontos, oposições, resistências ou falta de vontade política.
Em relação à Orla, isso mudou de três anos para cá. Com a inauguração do chamado trecho 1, entre a Usina do Gasômetro e a Rótula das Cuias, Porto Alegre ganhou autoestima, tornou-se uma cidade mais vibrante e resgatou uma identidade perdida após décadas separada do Guaíba. A partir dali, todo o potencial subaproveitado se tornava mais evidente.
– Passamos a usufruir de um privilégio que outras cidades, no Brasil todo, não tiveram: a possibilidade de projetar praticamente em sincronia todos os espaços da Orla – comenta o professor Benamy.
Quer dizer: desde a Rodoviária – que é onde começa o Cais Mauá – até o Iate Clube Guaíba, no bairro Cristal, Porto Alegre terá trechos de Orla que, embora dialoguem entre si, assumirão perfis de uso completamente distintos. Por exemplo: agora em agosto será inaugurado o trecho 3, entre a foz do Arroio Dilúvio e o Parque Gigante. Trata-se do "setor esportivo", com academias ao ar livre, 29 quadras e a maior pista de skate da América Latina.
Ao lado dessa área, na região do Anfiteatro Pôr do Sol, o edital que será lançado neste ano promete um espaço focado em eventos. Já nas cercanias do antigo Estaleiro Só, o imenso parque com inauguração prevista para 2022 terá uma intensa atividade comercial, com shopping na frente. No Cais Mauá, como o Embarcadero já pressagia, a gastronomia será uma das apostas – mas o lugar é tão grande que até campus universitário e hub de tecnologia podem se instalar ali.
– Ainda tem a própria Usina do Gasômetro (com previsão de reabertura em fevereiro), que tem um apelo cultural muito forte. E aquele trecho 1, o primeiro inaugurado, também se diferencia pela proposta mais contemplativa, com arquibancadas. Sem dúvida esse mix de atividades vai ser uma característica muito marcante – analisa o urbanista Silvio Abreu, professor de Arquitetura da UFRGS.
Boa parte desses trechos já deve estar concluído em 2022. Alguns maiores, como o Cais Mauá e a área hoje ocupada pela Escolinha do Grêmio – que, mais cedo ou mais tarde, vai sair da Avenida Diário de Notícias – devem levar mais tempo, mas já existe planejamento e dinheiro disponível para as obras.
– Particularmente, acho que alguns projetos poderiam ser melhores, mas o próprio Jaime Lerner (arquiteto que idealizou a revitalização) dizia que nós, urbanistas, precisamos de um certo grau de pragmatismo. Talvez não tenhamos o ideal, mas vamos ter o melhor possível – acredita o urbanista Anthony Ling, editor do site Caos Planejado.
Com Letícia Costa