Aprendi algumas coisas, nessa longa estrada da vida. Uma delas, muito importante, é que a gente tem que usar camiseta de algodão. Faça frio, faça calor, use camiseta de algodão. Você estará protegido contra as intempéries e os terríveis ventos encanados.
Se havia algo que a minha avó temia era o vento encanado. Ela contava histórias horripilantes de incautos que saíram do banho quente e foram colhidos por um vento encanado. Esses ficaram tortos de rosto pelo resto da vida, a boca em S, os olhos desalinhados que nem os do Cerveró. Aliás, quando vi o Cerveró pela primeira vez, cogitei: terá sido um vento encanado? Mas, não. No caso dele foi um doença rara, algo do gênero.
Nova York, ocorre-me agora, é a cidade do vento encanado. Manhattan foi construída sobre um plano de linhas retas, as ruas se entrecruzam como num tabuleiro de xadrez. Então o vento vem do mar ou do Rio Hudson e se mete pelos corredores dos prédios e zune e uiva e gela o pedestre.
Mas o pior do vento encanado é quando você não espera por ele, ele se enfia por uma fresta da janela e voa feito um fantasma pelo corredor da casa. Horrível.
Contra essa ameaça, use camiseta de algodão. Isso aprendi.
Outra lição fundamental que tirei da experiência é a seguinte: a chaleira com água quente sempre tem que ficar na boca do fundo do fogão. Parece irrelevante, mas é fundamental, sobretudo se você tem filho pequeno. Quantas dores foram evitadas por esse singelo gesto, de colocar a chaleira na boca do fundo?
Que outras sabedorias adquiri? Não lembro de nenhuma tão relevante quanto essas. A não ser, talvez, a de desconfiar dos políticos. Foi o que compreendi convivendo diariamente com eles, nos meus tempos de repórter de política. Não que o político, por ser político, seja inconfiável. Não é tão simples. É que a atividade do político lida com poder e com dinheiro. São muitas as tentações. Ainda que ele não tenha nenhuma vontade de se locupletar, ele poderá trair e ludibriar em troca do poder. Não consigo, portanto, compreender o amor incondicional que alguns políticos despertam. No Brasil, dois em especial: Lula e Bolsonaro.
O lulismo e o bolsonarismo me assustam mais do que o vento encanado. É como se fossem duas seitas, com fanáticos prontos para cometer os maiores desatinos em nome de seu líder. À esquerda ou à direita, essa situação é extremamente perigosa, e isso foi outra coisa que aprendi nessa longa estrada da vida. Será que nosso destino é ficar balançando eternamente entre esses dois polos? Será que nunca teremos um governo normal, insosso e eficiente como o de Angela Merkel, na Alemanha? Que falta nos faz um governo sem graça. Nunca pensei que diria isso, mas que saudade do Temer!