Eu, com os políticos, eu tenho certas reservas. Não que os considere todos desonestos, claro que não. Não existe, em Brasília, uma árvore que dê muda de político, eles saem do meio do povo, um era sindicalista, outro era empresário, outro era jornalista.
O que me faz desconfiar do político é a natureza da sua atividade. Ele lida com poder, dinheiro e interesses. Ele está sempre cercado de tentações, como Jesus no deserto da Judeia.
É fácil resistir às tentações quando não se é tentado. Você é fiel à sua mulher, mas a Ísis Valverde nunca lhe mandou um olhar de ladinho. E se ela mandar? Você resiste? Alguém, alguma vez, já lhe ofereceu R$ 1 milhão em troca de uma facilidade escusa? Como você pode ter certeza da sua integridade, se ela nunca foi posta à prova?
A integridade dos políticos, pelo menos dos que têm alguma importância, está sempre sendo posta à prova. No livro A Organização, de Malu Gaspar, ela conta como a Odebrecht mapeava os políticos em ascensão para cooptá-los com mimos antes mesmo que eles se tornassem relevantes. Uma espécie de pagamento antecipado para favores futuros.
Mas é evidente que muitos políticos, como Jesus no deserto da Judeia, resistem às tentações. O Rio Grande do Sul é pródigo na produção de políticos probos. Já citei e de novo cito alguns políticos retos que não atuam mais: à direita temos os reluzentes exemplos de Germano Bonow, apesar de ter sido, imagine, do PFL, e Guilherme Vilela, talvez o melhor prefeito da história de Porto Alegre. Mais ao centro, uma lenda: Pedro Simon. À esquerda dele, um gigante: Leonel Brizola. E, entre os petistas, muitos que me detestam por minhas críticas aos governos de Lula e Dilma: Olívio Dutra, Flávio Koutzii, Bisol e Raul Pont, que, tempos atrás, escreveu um artigo me desancando e falando mal até de Boston, que foi o que me deixou mais chateado.
Quero dizer, desta forma, que tento ser justo quando faço uma análise. Não levo discordâncias para o lado pessoal, a não ser que o político me ataque pessoalmente e, assim, revele um pedaço do seu caráter. Não faz muito, Tarso Genro publicou um artigo em sites me classificando como “bolsonarista extremado”. Fiquei irritado. Não exatamente pela classificação, que, para mim é, sim, uma ofensa, mas porque Tarso sabe que não é verdade. Ele foi malicioso, maldoso e injusto, e disse isso a ele.
Tudo bem, passou. Tudo certo.
Mas é preciso destacar que talvez eu tenha sido o primeiro jornalista a publicar crônica pedindo ao eleitor “Não vote em Bolsonaro”, e o fiz dois anos antes da eleição. Às vésperas da votação, essa coluna foi recuperada por petistas e viralizou na internet.
Continuo achando que a eleição de Bolsonaro foi um erro, e ele reforça essa convicção todos os dias com sua grosseria, sua falta de educação, sua inépcia e sua crueldade. A forma como se comporta na pandemia, então, é mais do que reprovável.
É triste.
Mas sou capaz, sim, de elogiar a ação de algum político em atividade. Disse de Marchezan, quando ele saiu da prefeitura: foi um bom prefeito. Se seria de novo, não sei. Se fará algo mais de positivo, também não sei. Falo do que fez.
Posso falar, também, do que está sendo feito, e me refiro agora ao governador do Estado, Eduardo Leite. Ele lançou sua pré-candidatura à Presidência da República e, a partir daí, entrou na linha de tiro dos bolsonaristas. Virou o inimigo a ser abatido. É essa, mais do que quaisquer outras, a razão das acerbas críticas que vem recebendo pelo seu manejo da crise do coronavírus no Estado.
É óbvio que muitas pessoas são contra o fechamento do comércio. Ninguém gosta de uma medida tão radical e, no começo da pandemia, também achei que houve algum exagero. Mas, agora, não. Agora é necessário. Estamos vivendo o pior período da peste.
O mais grave.
Assim, com um pé atrás, as mãos espalmadas para a frente e algum receio no peito, afirmo: Eduardo Leite está certo. Precisamos ter disciplina germânica e fleuma britânica pelo menos por mais uma semana. Depois, quem sabe, pode haver um relaxamento, e o comércio retorne, sempre com cautelas, que esse é um tempo de cautelas. Em momentos de perigo, o líder tem de tomar atitudes assertivas. É o que o governador está fazendo. E está fazendo bem. E, olha, eu com os políticos, eu tenho certas reservas.