Sei qual é a razão da popularidade dos bichos de estimação, esses agora chamados de “pets”. Eu inclusive, pelo mesmo motivo, que exporei adiante, sinto apreço por cães e gatos, animais que só sobrevivem em companhia de humanos, e também por outros tantos que já tive, como duas desanimadas tartarugas, que mantinha na casa do meu avô, meu garboso galo branco Alfredo, que foi parar na panela assassina da minha mãe, minha amada codorninha Matilde, que me seguia por toda parte, feito um cachorro, e ainda diversos passarinhos, entre eles pintassilgos, canários, caturritas e periquitos, uns, voejando livres pela casa, outros lamentavelmente presos, erro que hoje não cometeria, hoje não prendo passarinhos.
Pois bem.
Pergunto: por que prezamos tanto a companhia dos bichos?
Respondo: porque eles não falam.
Essa é a grande vantagem dos animais sobre os tristes macacos pelados que somos nós. Podemos fazer ou dizer qualquer coisa, os animais não verbalizam aprovação nem censura. No máximo eles latem ou miam ou zurram ou mugem, talvez crocitem, como o corvo, ou blaterem, como o dromedário, talvez. E, se no céu azul-escuro houver lua cheia, os lobos uivarão, os sapos coaxarão e as raposas, para a sua surpresa, regougarão, que raposas regougam. Só quem poderá dizer algo compreensível na língua de Camões e Ísis Valverde é o papagaio, mas ele apenas repetirá o que já lhe foi ensinado, não haverá conteúdo na sua manifestação, tão-somente forma.
Agora, imagine se não fosse assim. Imagine se seu vira-lata Piloto começasse a proclamar “Mito! Mito!”, e receitasse cloroquina para tratamento contra a covid, e dissesse que a mídia aterroriza a população para quebrar a economia. Imagine ainda que a cachorra do seu vizinho, uma ruidosa lulu da Pomerânia chamada “Vida”, passasse o dia repetindo “Lula lá!” e se queixasse do golpe contra a presidenta e prometesse morder o Moro e o Dalagnol.
Imagine.
Vida e Piloto não seriam tão amados, é provável até que fossem odiados, pelo menos por uma parcela da vizinhança.
Vida e Piloto, no entanto, nem precisariam se expressar sobre política para receber desaprovação humana. Quaisquer opiniões seriam mal recebidas. Você comete um erro, seja qual for, e o Piloto comenta:
- Mas é mesmo um animal...
Você suspira: cachorro chato... E pensa que, se o mandar embora, ele vai sair falando mal de você por toda a cidade.
Porém, para a nossa suprema felicidade, os bichos não falam. Eu, sabedor que sou do valor desse predicado deles, vou mais adiante: meus seres vivos preferidos, neste planeta azul, são as árvores. Majestosas, elegantes, úteis e, sobretudo, silenciosas árvores. Eu as amo.
Os problemas desse mundo se concentram nos seres falantes. Os humanos. Que, com as redes sociais, se tornaram ainda mais falantes. As pessoas sentem uma inexplicável ânsia de se expressar e correm para postar textos, e tomam de seus celulares e gravam vídeos ou áudios, e olham para a câmera e levantam uma sobrancelha e iniciam o que julgam ser um comentário inteligente: “Hoje eu estava fazendo uma reflexão...”
Eu tento não ouvir. Não quero conhecer a opinião daquela pessoa, quero manter sua imagem intacta, como se ela fosse um garboso cavalo ou um fiel cão. Mas é inútil, as opiniões vazam pelos bueiros da internet afora e a gente acaba sabendo o que os outros pensam. É terrível. O cérebro alheio é um lugar sombrio. Antes, só uns poucos inditosos, como nós, jornalistas, estávamos expostos à nossa própria tolice. Agora, todos podem ser parvos em público, e sem ganhar um centavo por isso.
Os animais, não. Os animais entendem que o silêncio é uma bênção. Então, eles nos ouvem e, sabiamente, se calam. Podem até balir ou grasnar ou zoar ou estridular, mas jamais nos deixarão conhecer suas opiniões. Eles nos encaram, às vezes com aparência inexpressiva, às vezes até com simpatia, e nada dizem. Mas, por dentro, talvez estejam rindo.