Não demora, chega outro outono, e nós estaremos ainda sitiados pelo corona. O que fazer? Uns, pão. Muita gente aprendeu a fazer pão no confinamento. Outros leem mais, veem mais filmes e séries, e tem também quem não canse de se entediar, afundado no sofá, jogando Candy Crush.
Eu, aqui, no meu tugúrio, há algo que faço diferente, nestes tempos pandêmicos. Não meus hábitos de leitura, esses continuam os mesmos: leio dois ou três livros simultaneamente, cada um de um gênero. Em geral, um de literatura, um de história e uma biografia. De repente, engato num, deixo os outros choramingando no criado-mudo e vou até o fim do escolhido com sofreguidão, especialmente se é um romance policial.
Sei que haverá quem me julgue mal por ler romance policial. Sei que narizes intelectuais ainda se retorcem de preconceito contra esse gênero. O grande Raymond Chandler morreu amargurado por causa disso. No tempo de Chandler, dizia-se que era "literatura noir", "negra", em francês, muito mais chique do que "romance policial".
Chandler, você sabe, foi o criador de um dos detetives mais carismáticos da história da literatura, Phillip Marlowe. Todos que liam Chandler queriam ser Marlowe, eu, inclusive, mas quem acabou sendo foi Humphrey Bogart, o Marlowe perfeito – cínico e humano ao mesmo tempo. Em todos os seus papéis, Bogart foi Marlowe, até no seu mais célebre, em Casablanca. Logo, se você quisesse ser de fato Marlowe, teria de ser também Bogart. O que me fez desistir de ser qualquer outra coisa que não eu próprio, algo que não tem muita graça.
Já Chandler foi, de certa forma, um pouco Marlowe. Ou Marlowe foi um pouco Chandler, faz mais sentido. Chandler era um homem atormentado. Tinha problemas em duas áreas fundamentais da vida: bebidas e mulheres. Com bebidas, ele as bebia demais. Com mulheres, ele as tinha de menos. Até os 32 anos, Chandler foi virgem como uma noviça. Foi, digamos, "deflorado" por Cissy, a melhor amiga de sua mãe. Cissy era 18 anos mais velha do que ele, gostava de sair à noite, dançar, beber e namorar. Namoraram por quatro anos, até a mãe de Chandler, que não aceitava o relacionamento, morrer. Aí, casaram-se.
Chandler era feliz no matrimônio, mas continuou bebendo e fazendo coisas de bêbado, pelo que foi demitido do bom emprego que ocupava. Para conseguir algum, começou a escrever histórias de detetive, e então se consagrou. Você só está lendo sobre Chandler agora porque ele perdeu o emprego devido ao alcoolismo. Um mal e uma perda o empurraram para a imortalidade. A vida é mesmo imprevisível.
Mas estou escrevendo tanto sobre Chandler para dizer que gosto de literatura noir. E cinema noir também. E, por que não?, séries noir. Assim, chego aonde queria chegar. Desde o começo, discorrendo a respeito do outono que virá, queria enaltecer um personagem da sociedade gaúcha que, se você não conhece, deveria. É um cara que tem uma assinatura moderna: Magrolima, assim, tudo junto.
O Magrolima trabalha na Atlântida, participa do Pretinho Básico e de um dos melhores podcasts do sul do mundo, o “Era uma vez no oeste”, com o Potter e o Daniel Scola. Trata-se de uma cabeça privilegiada, capaz de estocar um volume de informação que só o Google emula. Mas o melhor é que ele sabe o que fazer com a informação que guarda. O Magrolima é perspicaz e sensível, o que lhe dá bom gosto e capacidade de saber o que é importante e o que é interessante.
Pois bem. Munido de todos esses predicados, o Magrolima recomendou uma série que tem tornado emocionantes estes meus dias de final de verão encoronado. Babylon Berlin, o título. Está num cantinho da Globoplay e é um diamante de ficção noir. Passa-se na Alemanha de 1929, uma das épocas mais agitadas da História. É alemã e isso é um adjetivo, não um substantivo. Porque a história é narrada com originalidade tipicamente germânica, tanto na forma quanto no conteúdo, com personagens envolventes e uma música que não me sai mais da cabeça.
Cara, como sou grato ao Magrolima por me indicar essa série! Só podia ser ele. O Magrolima sabe das coisas. Assista a essa série que ele indica. Ouça o Magrolima, confinado leitor. Você se tornará uma pessoa melhor.